quinta-feira, 6 de outubro de 2016




"Existe um grande mundo lá fora, parte dele arguto e parte dele assustadoramente cruel: recentemente vi um filme sobre as mulheres no Irão que me fez ir beijar as minhas filhas adormecidas depois de o ver, e depois beijar o chão onde tivemos a sorte de nascer. Mas não faz sentido tornarmo-nos presunçosos. A Inglaterra libertou os seus escravos um século antes de nós, e neste momento muitos países do mundo consideram que a política dos EUA está desastradamente atrás no tempo em muitas questões, desde a conservação global à educação científica e à pena capital. Considero útil recordar isto quando, por vezes, dou por mim fora da opinião prevalecente aqui: o meu coração encontrou o seu caminho de modo independente para uma posição que está, num sentido mais lato, na moda. 
Mas quer esteja sozinha ou com muita gente, ainda estou obrigada pelo meu coração a permanecer onde nós votamos «nenhuma das opções acima» quando nos são apresentadas as igualmente odiosas opções de matar ou ser morto. Sinto-me insultada pela sugestão de que não existe mais nenhuma opção, quando as nações à nossa volta adoptaram estratégias muito diferentes, muitas delas menos beligerantes do que as nossas, com admirável sucesso. Sinto-me também insultada pela superficialidade do debate público, principalmente em tempo de guerra, fundamentado, como parece ser, em relatos noticiosos desprovidos de qualquer contexto histórico. Toda a nossa campanha contra os talibãs, a opressão das mulheres afegãs e Osama bin Laden foi conduzida sem que fizesse suficiente referência pública ao envolvimento anterior do nosso Governo com este desprezível triunvirato, a serviço de um rentável futuro gasoduto dos campos de gás do Turquemenistão. Se a CIA e alguns líderes corporativos dos EUA estiverem a romancear a mesma coisa noutro lugar, neste momento, por razões semelhantes, então esta conversa elevada de «Liberdade Duradoura» está a esgotar a minha paciência. Os homens encarregues das nossas guerras estão bem conscientes destas complexas histórias, mas falam connosco em termos de ameaças simplistas sem tonalidades de causa ou consequência, exactamente como se fôssemos todos crianças.
Espera-se que nós alinhemos neste plano, em que as pessoas perdem guerras e as empresas vencem-nas - os construtores de mísseis, as empresas mineiras, os magnatas do petróleo, e isso é só o que está à vista -, e uma pessoa pequena como eu não devia atrever-se a ser tão insolente ao ponto de sugerir um momento de pausa para rever o monstruoso desperdício humano de um ciclo interminável de retaliação violenta. Bom, eu estou a atrever-me. Li que alguns dos mísseis que estamos a usar contra o nosso inimigo actual - um dos países mais pobres do mundo - custam um milhão de dólares cada um. Perdoem a ultrajante sugestão, mas alguém já considerou mandar o dinheiro aos civis inocentes para que eles possam acabar com a desprezível tirania no seu seio e salvar toda a gente de uma enorme limpeza? Os grupos de pessoas tendem a juntar-se a cultos de raiva e vingança apenas quando estão desesperados. A História mostra que as populações com comida na barriga, capacidades de alfabetismo (incluindo nas mulheres), acesso à informação e imunidade contra as doenças mais importantes não toleram por muito tempo o martírio dos congéneres dos senhores da guerra talibãs ou de Saddam Hussein. E se esses cidadãos não nos estivessem totalmente gratos pela nossa ajuda na sua libertação, na pior das hipóteses eles poderiam apenas esquecer-se de nós - ao passo que a nossa actual estratégia de afirmar a predominância com bombas está a libertar alguns mas a matar de fome outros, fazendo com que milhões procurem refúgio em montanhas rochosas cobertas de neve, e, em última instância, a semear dentes de dragão de inesquecível inimizade sobre o solo de mais um deserto." - Barbara Kingsolver

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