sábado, 15 de outubro de 2016




"Relaxar é um desses prazeres simples da vida que, além de necessário, faz bem a todos. Em contrapartida, essa febre que assola muitos para conseguirem mais riqueza, será realmente agradável? Por outro lado, de certeza que essa ânsia em possuir mais coisas tem como objectivo o poder descansar calmamente um dia? Tenho as minhas dúvidas. Parece-me que os desejos de bens materiais chamam mais desejos de bens materiais, em geral supérfluos, numa espécie de cadeia que não tem fim. E, contudo, como Horácio deixou escrito, «se o teu ventre, os teus pulmões e os teus pés estiverem bem, as riquezas de um rei nada de valor poderão acrescentar». 
As pessoas que não sabem ou não querem aprender a desfrutar das pequenas coisas, do muito e bom que certamente têm, nunca serão felizes, mesmo que se tornem donas do mundo. A miséria não é uma causa de infelicidade tão habitual como a avareza, avareza de riquezas ou de honras. É fácil olharmos à nossa volta e vermos como a busca insaciável de ambas as coisas - riquezas e honras -, ou só de uma delas, acaba por fazer com que muita gente seja infeliz, se sinta mal constantemente, sinta uma tristeza infinita provocada não se sabe bem porquê.
Penso que os prazeres simples são o melhor antídoto que existe para esta sensação - que nos pode invadir a todos de vez em quando -, esta sensação de vazio, apatia, sem vontade de viver, de what's the point?, como se diria em inglês. A maioria de nós já se sentiu alguma vez, por causa dos efeitos da tristeza, com vontade de se afastar de qualquer coisa que lhe seja desagradável, das relações sociais, dos pequenos prazeres da vida. Com vontade de se afastar deles para se ir esconder num lugar escuro e ceder o seu lugar no mundo a outros. Penso que a melhor maneira de evitar essa tristeza é obrigarmo-nos a experimentar todas essas pequenas coisas de que sabemos que gostamos. E também a descobrir outras novas, porque não?
Como podemos encontrar prazeres autênticos? Procurando a beleza. Procurando gestos bonitos. Regozijando-nos sempre que vemos comportamentos nobres. Porque onde encontrarmos a beleza, estaremos a encontrar sensações agradáveis. E se, com a nossa atitude, procurarmos acrescentar um pouco de beleza à que já existe, conseguiremos multiplicar o seu efeito balsâmico. 
Contemplar algumas vacas a pastar ou cavalos a galopar, ou - também não precisamos de ser tão poéticos - apenas o nosso cão a dormir a sesta. Um punhado de cerejas. O céu completamente limpo. Ou todo coberto de nuvens, mas um céu. Um simples gole de água quando se tem sede. O sabor que dá o lume lento. Inspirar fundo o cheiro de uma flor. Amar como se nunca alguém nos tivesse magoado. Cantar como se ninguém pudesse ouvir se o fazemos bem ou mal. Qualquer destas coisas - e tantas outras - podem proporcionar-nos um prazer duradouro, uma felicidade que nos acompanhe por muito tempo. E, ao longo de cada dia, não temos mil e uma oportunidades para encontrarmos alguma destas coisas?
É frequente uma pessoa invejar outras por coisas nas vidas delas que lhe parecem exóticas ou sugestivas. Penso que aquilo que é digno de invejar nalgumas pessoas é, sim, essa espécie de receptibilidade, essa sensibilidade que faz com que, descritas por elas, tantas coisas pequenas e aparentemente sem importância, acabem por nos parecer fascinantes. 
Na minha opinião, outro dos grandes prazeres da vida é aprender. Se conseguirmos ampliar o nosso conceito de interessante; se somos capazes de fazer com que tudo o que vemos à nossa volta tenha algo que nos atrai, que queiramos conhecer; se sabemos descobrir a parte instrutiva de qualquer situação que presenciemos; se estudamos tudo com entusiasmo de vermos confirmadas - ou desfeitas - algumas das nossas opiniões; se conseguirmos experimentar tudo com o espírito de um botânico entre as plantas, ou de um zoólogo entre os animais, incluindo-nos na observação de nós mesmos, aproveitaremos muito mais a vida. Quando uma pessoa está a aprender algo que deseja saber, é quase impossível que se sinta tensa ou infeliz. Pessoalmente, prometi a mim mesmo não deixar de sentir curiosidade enquanto viver. Prometi a mim mesmo não deixar de me esforçar, seja qual for a minha idade, para continuar a aprender.
Como forma de elogio às coisas simples, cito as palavras belíssimas de Samuel Taylor Coleridge, o poeta romântico. Dizia ele que, apesar de muito frequentemente não nos apercebermos, «a felicidade da vida é composta por fracções de um minuto, das bondades depressa esquecidas de um beijo ou de um sorriso, de uns olhares amáveis, de uma cumplicidade vinda do coração e de todas essas incontáveis pequenas coisas que enchem os nossos momentos de sensações agradáveis»." - Clemente Garcia Novella

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