quinta-feira, 13 de outubro de 2016




"Uma boa parte da nossa felicidade baseia-se em que, nas nossas vidas, exista a proporção certa entre a preocupação que dedicamos ao futuro (Woody Allen disse uma vez: «Interessa-me muito o futuro porque é onde vou viver o resto da minha vida») e a capacidade que temos de aproveitar o presente. Se essa proporção não for a adequada, provavelmente estaremos a inquietar-nos em excesso com situações que ainda não aconteceram, fazendo com que os nossos medos por antecipação nos estraguem o presente, ou então estaremos a comportar-nos como imprudentes por não planearmos o necessário.
Todos, nalgum momento das nossas vidas, cometemos um desses dois erros. Em certas ocasiões vamos com impaciência ao encontro das coisas que queremos que aconteçam, como se apenas estas nos pudessem fazer felizes, deixando que o presente nos passe ao lado, sem desfrutarmos dele. Penso que, dos dois, este é o erro mais habitual. Mas é verdade que noutros momentos agimos sem toda a premeditação necessária.
Os clássicos pensavam que, para sermos felizes, a placidez do presente só deveria ser perturbada por problemas que temos a certeza que vão ocorrer e que sabemos em que momento vão ter lugar. Se não planificássemos o necessário perante este tipo de situações, então, aí sim, estávamos a pecar por sermos irresponsáveis. Contudo, se pretendemos ter tudo programado e debaixo do nosso controlo - algo de todo impossível -, não teremos nem um momento de calma.
Apenas o presente é garantido e, contudo, nem sempre desfrutamos dele.
Uma boa maneira de aprendermos a fazê-lo é observar as crianças. Elas dão-nos uma grande lição. Uma das melhores coisas da paternidade é apercebermo-nos das coisas que os nossos filhos nos podem ensinar. Aqueles que os tiverem, observem como desfrutam de cada instante por puro prazer, sem ansiedades auto-impostas, sem mais nada. Epícteto soube explicá-lo muito bem: «O que fazem as crianças? Constroem castelos com pedras ou com areia, apesar de saberem que logo a seguir os vão derrubar. Nunca lhes falta entretenimento. E será que nós não podemos fazer o mesmo que as crianças fazem naturalmente, sendo que além disso temos o uso da razão e da experiência? Em todo o lado nós, os adultos, temos pedras e areia [...] e também temos, dentro de nós, muito por construir.»
Penso que este é um dos segredos da felicidade: cultivar a capacidade de nos entusiasmarmos com qualquer areia ou pedra, a capacidade de nos deslumbrarmos até com as coisas aparentemente mais pequenas do momento presente. As pessoas que têm esta capacidade de forma natural são as que mais desfrutam da vida. Pois bem, tenho boas notícias: este é um talento que se pode adquirir.
Procuremos absorver todos os pormenores de cada bom momento.
De cada cor, de cada cheiro, de cada sabor, de cada nuance de cor, cheiro e sabor; de cada objecto, de cada sensação, de cada pessoa presente. É um prazer que podemos repetir as vezes que quisermos: não precisamos de nada para o desfrutarmos, salvo a atitude correcta, a qual depende apenas de nós. E não podemos perder de vista que, às vezes, as coisas que nos acontecem são como canções em línguas que não conhecemos bem: não as compreendemos, mas gostamos delas. Muito bem, porque não aproveitá-las apenas, deixando por uma vez de lado o nosso desejo instintivo de racionalizar tudo?
Todos sabemos que, mais cedo ou mais tarde, a morte chegará. Mas enquanto a esperamos, aproveitemos. E ao aproveitarmos, enganamo-la. Há uma frase que, apesar de já todos a termos ouvido perante a morte de alguém jovem, é muito enganadora. Trata-se de: «tinha o futuro todo pela frente». Ora bem, não é verdade. Não se pode perder o que não se tem. Nunca ninguém tem todo o futuro pela frente. 
A única coisa que possuímos de verdade, a única coisa com que podemos contar, a única coisa que ninguém nos pode tirar, nem sequer o destino, é o momento presente.
Embora tenhamos dificuldade em ver a realidade tal como é, aquele que morre jovem, na verdade, perde o mesmo que alguém que já viveu muitos anos: de novo, o presente.
De modo que, dado que este momento presente ninguém nos pode tirar, façamos todo o possível para o aproveitar. Sem que aproveitar equivalha a batalhar por prazeres refinados. Os prazeres mais simples são aqueles que realmente nos trazem felicidade." - Clemente Garcia Novella 

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