quarta-feira, 9 de novembro de 2016




"As escolas só falam da história dos heróis e dos conquistadores. Alexandre Magno: «magno» porque massacrou milhares de pessoas na Ásia Central? Se calhar até era um tipo simpático no seu tempo, jovem, à conquista do mundo. Mas o que significa conquistar? Significa matar, tirar as coisas dos outros.

Tudo isto deveria ser posto em causa. A educação deveria começar por ensinar o valor da não-violência, que tem a ver com tudo: com o ser vegetariano, com o respeitar o mundo, com o pensar que esta terra não nos foi dada, que é de todos e nós não podemos impunentemente começar a retalhá-la e a fazer buracos. O problema é que, a meu ver, todo o sistema é feito de modo a que o homem, sem sequer se aperceber, começa desde criança a adquirir, numa mentalidade que o impede de pensar em outras coisas. Finalmente já nem sequer é preciso uma ditadura, porque a ditadura está na escola, na televisão, no que nos ensinam. Apagamos a televisão e ganhamos a liberdade.

Liberdade. Já não existe. Eu continuo a repetir: nunca fomos tão pouco livres, ainda que tenhamos a aparente liberdade de comprar, de namorar, de escolher entre as várias pastas de dentes, entre os quarenta mil automóveis, entre os telemóveis que também tiram fotografias. Já não há a liberdade de sermos quem somos. Porque já está tudo previsto, já está tudo direccionado e sair disto não é fácil, cria conflitos. Quantas pessoas são rejeitadas pelo sistema, são marginalizadas porque não entram no modelo? Fizessem outras coisas! Mas não há outras coisas, há apenas um estímulo na direcção do mercado.

E São Francisco? E todos os outros? São todos malucos porque não faziam o que era preciso fazer naqueles tempos? Não, não, eram diferentes! As pessoas com a sua diversidade também indicaram uma forma diferente de ser. Pensa, São Francisco terá sido simpático?!

É esta bendita história da liberdade! Nós hoje reduzimo-la imenso, tanto que acabámos por viver apenas à margem da nossa liberdade por causa de tudo o que é automático no nosso modo de pensar, de reagir, de fazer as coisas. Esta é a grande tragédia. E as escolas hoje não são feitas para ensinar os rapazes a pensar, são feitas para ensinar os rapazes a sobreviver, para lhes ensinar coisas com que depois possam arranjar um lugar no banco. E quando acabamos, ficamos condicionados. Repetimos os modelos preestabelecidos. Não é muito fácil pormo-nos a inventar.

O homem agora é dominado pela economia. Toda a sua vida é determinada pela economia. A meu ver, esta será a grande batalha do futuro: a batalha contra a economia que domina as nossas vidas, a batalha para o regresso a uma forma de espiritualidade - que até podemos chamar religiosidade - a que as pessoas possam recorrer. Porque uma constante da História humana é querermos saber o que é que estamos a fazer no mundo.

São necessários novos modelos de desenvolvimento. Não só de crescimento, mas também de frugalidade. Estás a ver, eu digo que é preciso libertarmo-nos dos desejos. Mas exactamente por causa do sistema perverso do consumismo, a nossa vida está toda centrada no divertimento, no desporto, na comida, nos prazeres. O problema é sair deste círculo vicioso: uma coisa de cada vez. Caramba, isto impõe-nos comportamentos que são completamente absurdos. Não queremos certas coisas, mas o sistema do consumismo convence-nos, seduz-nos a querê-las. Toda a nossa vida depende desse mecanismo. Se, pelo contrário, começarmos a não participar e a resistir, fazendo jejum, então é como se usássemos a não-violência contra a violência. O que é que a violência acaba por fazer? Não nos podem enfiar as coisas pela goela abaixo!

Mas é necessário um grande esforço espiritual, uma grande reflexão, um grande despertar. Tem a ver com a verdade, à qual já ninguém se dedica. E nisso, Ghandi é estupendo. Procurava a verdade, aquilo que está por detrás de tudo." - Tiziano Terzani

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