domingo, 30 de abril de 2017





"A vida pode ser cheia de dor, sofrimento e dificuldades, mas todas estas experiências são oportunidades que nos são entregues para nos ajudar a avançar no sentido de uma aceitação emocional da morte. Só quando acreditamos que as coisas são permanentes é que nos privamos da possibilidade de aprender com a mudança.

Se nos isolarmos desta possibilidade, tornamo-nos fechados e acabamos dominados pelo apego, que é a fonte de todos os nossos problemas. Uma vez que a impermanência é para nós sinónimo de angústia, agarramo-nos desesperadamente às coisas, apesar de tudo mudar. Sentimo-nos aterrorizados por as largar, aterrorizados, de facto, por sequer viver, na medida em que aprender a viver é aprender a abandonar. E esta é a tragédia e a ironia da nossa luta pela permanência: não só é impossível como acarreta precisamente a dor que pretendemos evitar.

A intenção que está por detrás do apego pode não ser má por si só; não há nada de errado com o desejo de ser feliz, mas aquilo a que nos agarramos é falível por natureza. Os tibetanos dizem que não se pode lavar a mesma mão suja duas vezes na mesma água corrente de um rio e que, «por mais que apertemos uma mão-cheia de areia, nunca conseguiremos extrair óleo dela».

Interiorizar de facto a impermanência é libertarmo-nos gradualmente da ideia de apego, da nossa visão incorrecta e destrutiva da permanência, da falsa paixão pela segurança sobre a qual construímos tudo. A pouco e pouco, apercebemo-nos de que todo o sofrimento que atravessámos por nos agarrarmos a algo que não podemos conservar foi, no sentido mais profundo, desnecessário. Inicialmente, isto pode também ser difícil de aceitar, porque nos parece tão estranho. Mas á medida que reflectimos, e que continuamos a reflectir, o nosso coração e a nossa mente passam por uma transformação gradual. O desapego começa a parecer-nos mais natural e torna-se cada vez mais fácil. Pode demorar bastante tempo até nos darmos conta da extensão da nossa insensatez, mas quanto mais reflectimos, mais desenvolvemos a visão de nos desprendermos; é nessa altura que ocorre uma mudança no modo como encaramos tudo. Contemplar a impermanência por si só não é suficiente: tem de lidar com ela na sua vida. Tal como os estudos médicos exigem tanto a teoria como a prática, a vida também é assim; e na vida o treino prático é aqui, é agora, no laboratório da mudança. À medida que as mudanças ocorrem, aprendemos a encará-las com uma nova compreensão; e embora continuem a acontecer tal como antes, algo em nós será diferente. Toda a situação será agora mais descontraída, menos intensa e dolorosa; e até mesmo o impacto das mudanças que atravessamos nos parecerá menos impressionante. Com cada mudança sucessiva, compreendemos um pouco mais, e a nossa perspectiva sobre a vida torna-se mais profunda e mais ampla." - Sogyal Rinpoche

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