quarta-feira, 26 de abril de 2017





"Se o primeiro passo consiste em nos conhecermos, o seguinte deveria ser, sem dúvida, aquilo que o acompanha necessariamente, ou seja, a liberdade.

Digo permitir-se ser livre e não conseguir sê-lo, porque me refiro ao processo interno de autonomia e não ao conceito vulgar e errado que consiste em acreditar que a liberdade é sinónimo de «podermos fazer o que nos apetecer». É muito importante estabelecer esta diferença porque esta definição corresponde à omnipotência e não à liberdade. A primeira é sobre-humana e não existe; enquanto a segunda é possível, desejável e real. Pode, por vezes, parecer que nos agrada ou nos convém confundir estes dois conceitos, possivelmente para justificar perante nós próprios o nosso «medo da liberdade». 

A liberdade, tal como a entendo e a proponho, consiste nada mais (nada menos) do que na possibilidade ou no direito que todos temos de escolher uma (e por vezes mais do que uma) das alternativas que se nos apresentam em determinado momento.

A liberdade é a capacidade de escolher dentro do que é possível. 

Esta liberdade inclui e necessita, naturalmente, da minha honestidade em não classificar como impossível aquilo que o não é, para negar apenas que colocara de parte todas as outras opções a favor dos meus princípios, devido aos meus medos ou conveniências.

A consequência de darmos este passo em direcção à nossa liberdade consiste também em aceitar que algumas situações em que não podemos escolher são, na realidade, produto de uma escolha prévia. Contudo, parece demasiado tentador para muitos de nós afirmar que não poderíamos agir de outro modo, minimizando assim a nossa responsabilidade em consequência da escolha que fizemos.

Declararmo-nos livres significa darmos um passo em direcção à nossa completa autonomia, assumirmos a responsabilidade pelas nossas decisões, mesmo que nos apercebamos hoje de que nos enganámos, aceitarmos que era possível fazer tudo ao contrário, apesar de não o termos feito, admitirmos que, na verdade, outros o fizeram, ainda que continuemos a achar mais lógico termos feito o que fizemos.

Poucos de nós se dedicam a pensar e a ensinar os mecanismos que relacionam a nossa vida quotidiana com o desejo de ter uma maior qualidade de vida. O desafio de viver mais e melhor exige, entre muitas outras coisas, uma quantidade apreciável de coragem.

É necessário ter coragem e solidez para fazer face ao preço que quase sempre a sociedade nos quer cobrar pela ousadia de a enfrentarmos, pelo atrevimento de nos declararmos livres de decidir por nós próprios, pelo desplante de ignorarmos a inviolabilidade das suas regras ou pela insolência de pedirmos explicações pelas atitudes tomadas pelos mais poderosos.

Podemos e devemos atrever-nos a perguntar, protestar e questionar, mesmo quando estamos em minoria, os caprichos de uns ou as injustiças de muitos; talvez com a única restrição de pensar que essa liberdade deve ser exercida num estado de direito, que a nossa forma de protesto ou de rebeldia não deve ser concebida para destruir aqueles que pensam de maneira diferente, mas sim com o intuito de nos juntarmos todos na edificação de um mundo melhor.

Como acontece em relação a tudo, os problemas começam nas pequenas questões.

Na nossa vida quotidiana, todos nós passámos, e continuamos a passar, por momentos em que, sem termos grande consciência desse facto, decidimos renunciar a algumas liberdades.

Quanto me custa - pensamos por vezes - renunciar à minha escolha?

De qualquer maneira - dizemos para nós próprios -, é um assunto tão pouco importante.

Porque haveremos de fazer disso um problema? - argumentamos por fim. - Além de ser certamente um assunto sem importância, não deixará de ser momentâneo.

E respiramos fundo antes de dar a questão por encerrada, conformando-nos em renunciar ao nosso caminho, convencidos de que a luta pela liberdade é a batalha das grandes coisas e não das ninharias.

Contudo, estas ideias são muitas vezes o disfarce que esconde a falta de energia que colocamos na defesa das nossas liberdades.

É importante sermos capazes de nos desapegar de algumas atitudes, pretensões e caprichos, mas é preciso temer as «pequenas» renúncias quando estas não são escolhas feitas com o coração, com consciência e com responsabilidade.

É necessário recordar que a liberdade é demasiado importante para renunciarmos a ela nem que seja por um breve momento. O desafio pode parecer quase heróico, mas estou absolutamente convencido de que todos nós somos capazes de mostrar essa quota-parte de ousadia salutar.

Para alguns pensadores o que define a passagem de indivíduo a Pessoa Adulta é justamente a liberdade, a capacidade de optar entre duas ou mais possibilidades e a responsabilidade que deve ser assumida depois de cada decisão tomada. E se por vezes não podemos escolher os acontecimentos, temos certamente a capacidade de escolher como agir face aos mesmos.

Dizia Octavio Paz que a liberdade é simplesmente a diferença entre os monossílabos «Sim» e «Não».

É o direito que me outorgo de escolher uma ou outra resposta que me torna livre ou escravo (e não o alto preço que, com frequência, temos de pagar pelas escolhas que fazemos).

Dar este passo será uma forma de decidirmos enfrentar a nossa vida com absoluto protagonismo, com responsabilidade sobre tudo o que nos sucede, compreendendo os factos e os acontecimentos da vida como sendo uma consequência desejada ou não de algumas das decisões que tomámos.

Sou responsável pelas decisões que tomo, por isso sou livre de ficar ou de sair, de dizer ou de calar, de insistir ou de desistir, de correr os riscos que entender e de sair pelo mundo em busca daquilo que necessito." - Jorge Bucay

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