terça-feira, 5 de dezembro de 2017





"Será que podemos afirmar com toda a segurança, e sem medo de estar a faltar à verdade, que somos felizes?

Não tenho qualquer dúvida que todos nós tivemos, em maior ou menor número, momentos de felicidade, mas quando vos pergunto se poderemos afirmar que somos felizes, falo de uma felicidade completa. De um sentimento de profunda liberdade perante nós mesmos e os outros. Será que podemos afirmar essa felicidade? Será que ela existe? De que são feitos os nossos dias?

À primeira vista, parece que todos temos vidas, quotidianos, muito diferentes. Normalmente associamos as nossas diferenças àquilo que fazemos, às nossas ocupações, às nossas profissões, até aos nossos hobbies. Mas com alguma atenção verificamos, basta um pouco de bom senso e um pequeno esforço de observação, que os nossos quotidianos são muito semelhantes.

O facto é que as nossas vidas se padronizaram quase desde o momento do nosso nascimento. Vamos à escola quando nos dizem que é o momento de ir para a escola, começamos a namorar quando nos dão a entender que é altura de começar a namorar, acabamos os nossos percursos escolares quando cumprimos um programa que alguém decidiu como devia ser, sem que alguma vez tivéssemos sido consultados sobre isso, depois temos de arranjar um emprego, quase nos sentimos na obrigação de casar quando vemos os nossos amigos e colegas a casar, quase nos sentimos obrigados a ter filhos quando os nossos amigos e colegas começam a ter filhos e o fio de continuidade deste molde para o qual fomos traçados vai prosseguindo: o primeiro carro, a casa, as férias não sei onde, o telemóvel de última geração, o leitor de DVD... não pára. Se todos estes passos correm com sucesso sentimo-nos temporariamente realizados. Se estes passos correm mal, se temos um percurso escolar pouco brilhante, se não conseguimos as namoradas ou os namorados que os outros conseguem, se não arranjamos emprego, se não casamos, etc., sentimo-nos fracassados e deprimidos, achando que nada na vida nos corre de feição e que não vale a pena estar vivo.

Aqueles que primeiro sentiram o sucesso e o reconhecimento social, acabam por chegar a um ponto em que as primeiras decepções, conjugais, profissionais e financeiras acontecem, sentem-se sozinhos, desapontados com tudo e com todos. Um dia, a velhice entra nos nossos corpos sem pedir licença e damos que quer tenhamos tido um percurso de grande sucesso e reconhecimento, quer tenhamos passado a vida a ser apontados (pelos outros e por nós próprios) como exemplos de fracasso, as nossas vidas não foram o que tínhamos sonhado.

Todos os dias construímos expectativas imensas em relação a nós e aos outros e olhando retrospectivamente, quando a velhice diz «olá, cá estou eu», sentimos que essas expectativas se goraram e que já não vamos a tempo de alterar seja o que for. 

Por isso, acontece tantas vezes passarmos os últimos anos de vida revoltados e em conflito, connosco e com o passado que tivemos, apontando culpas às mais variadas coisas: à família, à sociedade, à religião que um dia abraçámos ou deixámos de abraçar.

No momento da morte, muita dessa insatisfação que carregámos ao longo dos anos vem ao de cima, acabando por morrer presos a uma raiva generalizada, num esterpor doloroso e cheio de mágoas.

E afinal que podemos nós fazer em relação a isso, a esta condição a que chamamos humana e que tomamos como uma fatalidade? Não é com certeza difícil responder que não somos felizes, o que não quer dizer que sejamos completamente infelizes. Como é costume responder a quem nos pergunta se estamos bem, «vamos andando». Pessoalmente acho que «ir andando» é uma coisa terrível. É um estado de desistência disfarçada de vida, sobre a qual, quanto mais não seja, podemos tentar tomar consciência e de alguma forma, decidir alterar o caminho que temos vindo a percorrer... mas, claro, se nos sentimos bem como estamos, pois então é continuar.

Durante um ensinamento em Bodhgaya, na Índia, Jigme Khyentsé Rinpoche, dirigindo-se às pessoas que o escutavam disse, com o humor que o caracteriza, que ao acordar todas as manhãs, quando olhamos à nossa volta, se olhamos para nós e nos sentimos contentes só há duas possibilidades: ou somos estúpidos ou iluminados." - Frederico Mira George

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