quinta-feira, 31 de maio de 2018




"A maioria das pessoas é tão feliz quanto decide ser." - Abraham Lincoln


"Testemunhei, certa vez, uma conversa lindíssima entre uma mãe e uma filha. Não demorou mais do que um minuto, mas nunca mais esqueci aquele momento. Foi num dia em que estava num caótico terminal do aeroporto internacional de Nova Deli, na Índia, à espera que anunciassem o meu voo. A mãe e a filha, que se chamava Angela, estavam sentadas à minha frente. A Angela, que não devia ter mais do que 3 anos, estava a falar e a desenhar, a falar e a comer, a falar e a fingir que lia. Enquanto isso, a mãe estava atarefada a organizar os bilhetes de avião e os passaportes.

Embora conseguisse ouvir a Angela a falar, não prestei atenção ao que ela estava a dizer, até que de repente ela anunciou:

- Eu sou felicidade, mamã - disse a menina.

- O quê, querida? - perguntou a mãe.

- Eu sou felicidade, mamã - repetiu.

- Não, meu amor. O que tu queres dizer é: "eu sou feliz" - explicou a mãe.

- Não, mãe - insistiu a menina. - Eu sou felicidade.

Por esta altura, reparei que, tal como eu, muitos outros passageiros estavam a ouvir a conversa. A mãe da Angela também reparou. Parecia estar um bocadinho acanhada, mas todos nos apercebemos do momento terno e engraçado que estávamos a testemunhar.

- Eu... sou... feliz - disse a mãe de uma forma propositadamente lenta.

- Eu... sou... felicidade - retorquiu a Angela de uma forma propositadamente lenta.

A mãe sorriu.

- Está bem, Angela. Então, és felicidade.

- Sim, mamã, sou felicidade - disse a pequena, acenando com a cabeça.

E pronto, foi só isto. Uma conversa curta e doce que acabou tão depressa como começou. Mas pôs-me a pensar.

Como viveria a sua vida se soubesse que já era feliz? Imagine como seria. Imagine como se sentiria bem se soubesse que já era feliz por natureza, de forma inata. Imagine como enfrentaria cada dia sabendo que já era aquilo que procura ser. Imagine o amor e a tranquilidade que sentiria se o propósito das relações que cria com os outros não fosse procurar a felicidade, mas antes partilhar a felicidade. Imagine como poderia ser fantástico e bem-sucedido se seguisse aquilo que o faz feliz e deixasse irradiar para fora a felicidade que vem de dentro. Imagine como você seria.

Imagine que, apenas por um momento, se rendia por completo à felicidade que faz parte da sua verdadeira natureza. Que fantástico baptismo seria! Imagine a sensação de liberdade que sentiria se não precisasse de estar à espera que o mundo o fizesse feliz.

Que bênção imensa! Imagine como se sentiria afortunado ao saber que a sua felicidade não está longe de si, escondida em algo exterior. Imagine como a sua atitude em relação ao dinheiro mudaria. Imagine como se deixaria relaxar e saborear cada momento se soubesse que a sua felicidade estava sempre consigo e não noutro lugar qualquer. Imagine como a sua atitude em relação ao tempo seria diferente. Imagine como você seria.

Imagine que todos os dias deixava a felicidade inata do seu ser abençoá-lo e renová-lo. Imagine que o propósito da sua vida não era alcançar a felicidade, mas espalhar a felicidade. Imagine como isso lhe daria prazer. Imagine como seria generoso. Como seria bondoso. Que bom amigo você seria.

Se vivesse com a consciência de que o seu ser já é feliz, seria livre para ser a pessoa "que veio para ser". Ao saber que já era feliz, não teria medo de amar. Na verdade, é muito provável que se tornasse na pessoa mais carinhosa que alguma vez imaginou.

Imagine como seria." - Robert Holden

quarta-feira, 30 de maio de 2018





"Já alguma vez se sentaram muito silenciosamente, sem que a vossa atenção esteja fixada em coisa alguma, sem fazerem qualquer esforço para se concentrarem, mas com a mente muito silenciosa, completamente quieta? Então ouvem tudo, não ouvem? Ouvem os ruídos distantes tão bem quanto aqueles que estão mais perto e aqueles que estão muito próximos, os sons circundantes - o que significa realmente que estão a ouvir tudo. A vossa mente não se encontra confinada a um pequeno canal estreito. Se conseguirem ouvir desta maneira, ouvir com facilidade, sem esforço, descobrirão que uma mudança extraordinária está a ter lugar dentro de vós, uma mudança que surge sem que a tenham desejado, sem que a tenham pedido; e nessa mudança existem uma grande beleza e uma percepção imediata e profunda." - J. Krishnamurti

terça-feira, 29 de maio de 2018





"A inteligência académica não dá praticamente qualquer espécie de preparação para o tumulto - ou as oportunidades - que as vicissitudes da vida nos trazem. No entanto, embora um QI elevado não seja garantia de prosperidade, prestígio ou felicidade na vida, as nossas escolas e a nossa cultura estão fixas nas capacidades académicas, ignorando a inteligência emocional, um conjunto de características - há quem lhes chame carácter - que também tem uma importância imensa para o nosso destino pessoal. A vida emocional é um domínio que, tão seguramente como a matemática ou a leitura, pode ser tratado com maior ou menor perícia, e exige o seu próprio conjunto de competências específicas. E o grau de aptidão que cada um tenha nessas competências é crucial para se perceber por que razão uma pessoa progride na vida enquanto uma outra, de intelecto igual, falha redondamente: a aptidão emocional é uma meta-habilidade que determina o modo melhor ou pior, como seremos capazes de usar outras capacidades que possamos ter, incluindo o intelecto puro.

 Claro que há muitos caminhos para o êxito na vida, e muitos domínios em que outras aptidões são recompensadas. Na nossa sociedade, cada vez mais baseada no conhecimento, a capacidade técnica é seguramente uma delas. Há uma piada infantil que diz: «O que é que se chama a um nabo daqui a quinze anos?» A resposta é «Patrão.» Mas mesmo entre os «nabos» a inteligência emocional proporciona um trunfo importante no local de trabalho. Inúmeras provas testemunham que as pessoas emocionalmente aptas - que conhecem e controlam os seus próprios sentimentos e sabem reconhecer e lidar eficazmente com os sentimentos dos outros - levam vantagem em todos os domínios da vida, quer se trate da vida amorosa ou das relações íntimas, ou de aprender as regras não expressas que ditam o êxito na política das organizações. As pessoas que possuem aptidões emocionais bem desenvolvidas são também, de um modo geral, as que se revelam mais satisfeitas e eficazes nas suas vidas, dominando os hábitos de espírito que estão na base da sua própria produtividade; aqueles que não conseguem obter alguma medida de controlo sobre as suas vidas emocionais travam constantemente batalhas íntimas que lhes minam a capacidade de produzir trabalho continuado e pensamentos claros." - Daniel Goleman

segunda-feira, 28 de maio de 2018





"A sexualidade ajuda o amor. Expande-o. Porque é das poucas circunstâncias em que corpo, cabeça e alma estão alinhados. E são tudo em um. E parecem dizer eu e tu ao mesmo tempo.  E se formos dois corpos, duas histórias e dois ritmos, que se sintonizam numa mesma cumplicidade (então, sim), o mundo parece ser 1+1=1.

É mais fácil ser 1+1=1 na sexualidade ou no amor? À primeira vista, é mais fácil na sexualidade. Porque as pessoas - quando conversam, quando consentem, quando compensam, etc. - falam pouco daquilo que sentem. Logo, a sexualidade pode levar a que o corpo fale melhor do que nós o fazemos com as palavras, propriamente ditas.

- É por isso que muitas relações estão "seguras" pela sexualidade?

Sim. Mas nós somos animais que precisamos da palavra para configurar o mundo, para o compreender e para o pensar. Logo, aquilo que segura pode, a certa altura, transformar-se numa espécie de rendimento mínimo garantido para o amor.

- As pessoas despem-se com dificuldade?

Depende. Eu acho que se despem, por fora, de uma maneira demasiado fácil. Muitas vezes. E, por dentro, vivem de coração abotoado até ao último botão. A mim parece-me que quanto mais é difícil alguém despir-se por dentro, mais se despe por fora, de forma impulsiva. É claro que, sempre que duas pessoas se despem por dentro e por fora uma para a outra, mais perto podem estar de descobrir o amor. 

- Ter sexo e fazer amor é a mesma coisa?

Não. Ter sexo é masturbarmo-nos em presença de outra pessoa. Fazer amor é partirmos dos nossos corpos para chegarmos às nossas almas.

- O amor é coisa que se faça?

Nim. Fazer amor é uma forma de dar a entender que somos operários do amor? Que temos de trabalhar para ele? Que temos de o estimar e cuidar? Se for assim, a resposta é sim. Se fazer amor é uma forma de iludir os desencontros de todos os dias com uma febre de sábado à noite, não! Claro.

- Se namoramos tão pouco, como é que seria de esperar que nos sintamos amados?

Não seria. Nem pode ser! Sem namoro não há amor." - Eduardo Sá

sábado, 26 de maio de 2018





"Uma visão da natureza humana que ignore o poder das emoções é tristemente míope. O próprio nome Homo sapiens, a espécie que pensa, é enganador à luz da nova apreciação e visão que a ciência actual tem do lugar das emoções nas nossas vidas. Como todos nós muito bem sabemos por experiência própria, quando se trata de formular as nossas decisões ou as nossas acções, o sentimento conta tanto, e muitas vezes mais, do que o pensamento. Fomos demasiado longe na ênfase que damos ao valor e importância do puramente racional - aquilo que o QI mede - na vida humana. Para o melhor e para o pior, a inteligência pode não ter o mínimo valor quando as emoções falam." - Daniel Goleman

sexta-feira, 25 de maio de 2018





"O amor serve para nos rebelarmos contra os dias em que o coração parece ter de bater, obrigatoriamente, dentro do peito. E para nos insubordinarmos contra a vida quando ela, vezes demais, não tem (como devia) a nossa cara e perde a claridade. E para falarmos da falta que nos faz um mundo que sorria para nós.

- Para que serve o amor?

- Para que servem as pessoas, quando são reais e imaginárias, ao mesmo tempo? Para fazerem milagres!

Há sempre um milagre quando duas pessoas acreditam naquilo que sentem e crêem uma na outra. Ao mesmo tempo." - Eduardo Sá

quinta-feira, 24 de maio de 2018





"Estamos todos aqui por uma razão especial. E ao abraçarmos os momentos milagrosos das nossas vidas, descobrimos mais significado, mais propósito e respeito, um chamamento cósmico mais consciente, mais gratidão e alegria em tudo o que fazemos.

A vida é tão frágil e, ainda assim, estamos aqui e eu não tomo como garantido um só segundo." - Eric Handler

quarta-feira, 23 de maio de 2018





"Sei que poderia continuar a escrever-te durante o resto da minha vida...

Sei que encontraria sempre alguma coisa para te dizer...

Alguma coisa para te contar...

Alguma coisa para partilhar contigo...

Sei que, se voltasse a escrever sobre algumas coisas que te disse, escreveria todo o contrário...

Sei que continuo a crescer e que poderia continuar a dar-te parte do meu crescimento...

E talvez o faça...

Mas hoje...

Hoje tenho vontade de me despedir de ti.

De esta tu...

Não de toda tu.

De esta tu que lê as minhas cartas.

E, como de costume...

Sinto que as minhas despedidas são definitivas.

Sinto que as minhas despedidas são sempre para sempre.


Eu sou eu.

Tu és tu.

Eu não estou neste mundo

para preencher todas as tuas expectativas

e sei

que tu não estás neste mundo

para preencher todas as minhas.

Porque eu sou eu

e tu és tu.

E, quando tu e eu nos encontramos,

é maravilhoso.

E quando, encontrando-nos, não nos encontramos

não há nada a fazer." - Jorge Bucay

terça-feira, 22 de maio de 2018





"Todos os dias as notícias nos chegam cheias de histórias, sinais de desintegração do civismo e da segurança, de um assalto desenfreado da maldade e da agressão. Mas as notícias limitam-se a reflectir, numa escala ampliada, uma crescente sensação de emoções descontroladas na nossa própria vida e na vida das pessoas que nos rodeiam. Ninguém está isolado desta maré aleatória de explosão e remorso; de um modo ou de outro, atinge as vidas de todos nós.

A última década assistiu a um crescimento contínuo do rol de notícias, que retratam um aumento da inépcia emocional, do desespero, da inquietação nas nossas famílias, nas nossas comunidades, nas nossas vidas colectivas. Têm sido anos de raiva e desespero, na solidão silenciosa das crianças fechadas em casa tendo a televisão como companhia, na dor das crianças abandonadas, negligenciadas ou maltratadas, na sórdida intimidade da violência marital. É uma doença emocional que se espalha e que pode ser lida nos números que mostram um aumento das depressões por todo o mundo, e nas provas de uma crescente onda de agressão - adolescentes com armas nas escolas, acidentes rodoviários que terminam aos tiros, ex-empregados descontentes que chacinam os colegas de trabalho. Maus-tratos emocionais, disparar de passagem (do interior de automóveis) e stresse pós-traumático são tudo expressões que entraram para o nosso léxico comum ao longo da última década, tal como o slogan da moda deixou de ser um alegre «Tenha um bom dia» para transformar-se no ameaçador «Faz o meu dia», celebrizado pelo Dirty Harry de Clint Eastwood." - Daniel Goleman

domingo, 20 de maio de 2018





"A predisposição para aceitarmos a responsabilidade pela nossa própria vida é a fonte de onde brota o amor-próprio". - Joan Didion


"o jogo que jogamos

é ao vamos fazer de conta

e fazemos de conta

que não

o fazemos


escolhemos

esquecer

quem somos

e depois

esquecemo-nos

que o esquecemos


quem somos, afinal?


o núcleo

que observa

e dirige as operações

que decide

como tudo

vai ser


o EU SOU

a consciência

esse poderoso

e perfeito

reflexo

do cosmos


mas na nossa tentativa

de lidar com

situações anteriores

escolhemos ou ficamos

hipnotizados numa

posição de passividade


para evitar

castigos

ou a perda de amor

escolhemos negar

a nossa

respons(h)abilidade

fazendo de conta

que as coisas, simplesmente,

acontecem

ou que fomos

controlados

dominados

deitamo-nos abaixo

e habituamo-nos 

a esta postura

masoquista

a esta fraqueza

a esta indecisão

quando, na realidade,

somos livres

um centro 

de energia cósmica


a vossa vontade

é o vosso poder


não façam de conta

que não o têm


ou não o terão" - Bernard Gunther

sábado, 19 de maio de 2018





"Gostaria de ser água...

Sou a água da chuva. Caio sobre as sementeiras. As plantas, a quem acalmo a sede, amam-me. Ama-me a terra a quem mantenho viva e fértil. Amam-me os homens que vivem nessa terra e dessa terra. Odeiam-me os veraneantes da praia, odeiam-me os animais desamparados que vagueiam pelas ruas...

Sou a água de um tanque. Estou aqui, à espera de ser utilizada. Sirvo para refrescar os camponeses e para banhar os animais. Não estou em condições de ser bebida porque estou suja e contaminada. Parada por demasiado tempo.

Sou a água das lágrimas de uma criança.

Sou a expressão mais autêntica da emoção, sou o chamariz dos únicos afectos incondicionais. Sou o símbolo da alegria e da pena.

Sou a água de um rio caudaloso.

Sou o lar de milhares de peixes, sou o movimento da natureza, sou o ruído do bosque e da pradaria. Sou o doce que amanhã será sal, quando chegar ao mar.

Sou a água de uma fonte cristalina, sou a banheira de uma multidão de passarinhos, sou o sorvo que acalma a sede do caminhante, sou a transparência da claridade do dia. Sou o símbolo mais claro do fluir da vida.

Às vezes sou vapor e às vezes, gelo.

E, em todas estas formas de ser, sou útil, sou inútil e às vezes até sou prejudicial.

Porque nunca procuro ser o que não sou. 

Porque admito ser a parte e não o todo.

Porque sou muitas coisas e uma só.

Porque não sou mais do que aquilo que sou.

Mas tão-pouco sou menos." - Jorge Bucay

sexta-feira, 18 de maio de 2018




"A partir do momento em que o discípulo descobriu o segredo da reflexão interior, deixou de ver o trabalho de carregar a água como fardo penoso, passando a encará-lo como uma oportunidade de fortificar o corpo. As orações da manhã e da tarde davam mais força à sua alma, e até as refeições diárias significavam mais do que apenas uma ingestão de alimentos. Serviam para aprender a compreender as inter-relações da vida. Não deixava de pensar naquele bago de arroz que comera no início da sua caminhada. Dedicava agora cada minuto da sua existência à prática do silêncio interior, e já não conseguia imaginar-se a viver de outra forma. 

O outro jovem tinha-se modificado tanto desde que regressara ao templo, que agora todos os que lá habitavam lhe faziam sentir o seu respeito e afecto, de que até então tanto tivera de se privar. E todos, incluindo o superior, estavam agora convencidos de que ninguém é mau por natureza e que não há água que não se encontre pura quando brota da nascente.

Certa noite, após a oração da tarde, o Mestre dirigiu-se ao discípulo.

- Nunca devemos habituar-nos ao local onde vivemos, porque se o fizermos apossamo-nos dele. Mas quem possui alguma coisa tem preocupações. E quem tem preocupações não pode abraçar a sabedoria. Por isso, amanhã cedo vamos abandonar este lugar.

O rapaz ficou decepcionado. Não só porque tinha de renunciar ao seu novo lar, como também porque tinha de deixar o seu novo amigo.

- O valor de uma amizade revela-se precisamente quando as pessoas não podem ver-se - disse o Mestre, apercebendo-se do que perturbava o seu discípulo.

- Mas há aqui tantos livros que ainda precisava de estudar - lamentou-se o jovem. - Como é possível abandoná-los sem os ter lido?

O Mestre sorriu.

- E que aconteceria se os tivesses lido todos?

- Teria encontrado a sabedoria - respondeu o discípulo.

- Não confundas sabedoria com saber - advertiu o Mestre. - O saber podes encontrá-lo nos livros, mas a sabedoria só no teu coração. O saber sem sabedoria é como uma lâmpada que temos na mão, mas que não conseguimos acender. Pelo contrário a sabedoria sem saber é como uma chama que rapidamente se extingue, porque lhe falta o azeite necessário. Só quando possuímos as duas coisas, saber e sabedoria, é que a luz ilumina até a noite mais escura.

A estas palavras não foi o discípulo capaz de responder. Limitou-se a desejar ao Mestre uma boa noite, e depois apagou a sua lâmpada. E sonhou que todos os monges do templo elegiam o seu amigo, o ladrão, como o novo superior." - Chao - Hsiu Chen

quinta-feira, 17 de maio de 2018





"O amor não é fácil. Dá trabalho. Ocupa tempo. Dói. Desafia. Leva-nos ao erro e ao engano. Revolve e desarruma. E por mais que as pessoas, depois de entrarem na nossa vida, nunca mais saiam de dentro de nós, muito raramente se ama para sempre. É pela falta de amor (ou pela forma, quase despercebida, como nos inibe, pelo desamparo, com os silêncio mais ressentidos) que todos já morremos de amor, diversas vezes. E quase todos morremos de véspera. E, no entanto, mais nada regenera, mais nada é redentor e mais nada ressuscita do que o amor.

O amor apanho-nos sempre de véspera, de surpresa! Na verdade, nunca estamos preparados para o amor.

O amor é confuso. E, por mais que não tenhamos olhos para mais ninguém que não seja quem amamos - porque estamos, invariavelmente, atentos, e porque somos (sempre) intuitivos e sensíveis -, amar não representa nunca um voto de castidade para com a beleza e para com a vida. Daí que o amor ligue passado e presente, ligue memória, fantasia e outros amores. Por outras palavras, uma história de amor acaba sempre numa encruzilhada de histórias. E, por isso, muitas vezes contra a nossa vontade, liga pessoas. Liga memórias. Liga dores e omissões. E liga o que liga com aquilo que desliga. Na verdade, o amor não serve para se viver no singular. Porque liga nomes e cheiros. Liga lugares. Liga sons. E pormenores. Sobretudo se forem mínimos, insignificantes ou, mesmo, fugazes. Ou quase invisíveis. E liga-nos a quem, de tanto lhe fugirmos, mais presos nos torna a si.

Talvez só o amor nos torne indivisíveis. E, teimosamente, só quando dividimos o amor ele se multiplica. Muito para lá das cavidades do nosso coração.

Na verdade, fomos todos mal-educados para o amor. E iludidos, até. Porque o amor nunca é sempre cor-de-rosa! Mas, seja pelo que for, somos desmazelados - demasiado desmazelados - para com o amor. Às vezes, vivemo-lo com gestos de Amo-te, mas não te desejo. Como se fosse possível ter-se intimidade sem se ser íntimo. Às vezes, confundimo-lo, demais, com a sexualidade. Quase sempre, esperamos que ele nos procure. Ou que nos caia no colo, de forma acidental ou distraída. Mesmo quando mal o olhamos nos olhos. E nos colocamos diante do amor dum jeito pouco humilde, pouco amável, pouco amante e... preguiçoso.

Por mais que muitos amores pareçam, a quem os desconheça, mais ou menos improváveis, todo o amor, para ser amor, tem de ser... provável. Provável de ter em si o seu quê de alguma insegurança que ora o torna compreensível ora o faz contraditável. Provável de, em todos os momentos, ser preciso sentir-lhe o paladar. E provável de nos pôr à prova e de nos dar provas. Por mais que não pareça, todo o amor é uma prova. De vida!

O amor, para ser amor, precisa de gestos. Necessita de surpresas. Mas precisa, sobretudo, de palavras. Daí que esperar que alguém penetre do nevoeiro dos nossos silêncios para que, repetidamente, nos pergunte: "O que é que se passa?"... talvez não seja amor. Mas um mal-entendido. E quando, já em desespero, nos lamuriamos que se perde no tempo a última vez que alguém muito nosso nos convida para um jantar, e essa pessoa nos responde: "Que não seja por isso... Jantamos hoje, pois claro", aquilo que se passa talvez não seja amor mas um... peso. No "estômago". E quando ousamos ser surpreendidos por um programa de fim de semana e a melhor surpresa que nos reservam será dizerem-nos: "Fim de semana a dois? Boa ideia!!! Marca tu...", aquilo que se passa não é amor, mas uma passividade sufocante. E quando esperamos que alguém nos diga que nos ama e temos, como resposta: "Eu também..." Ou, mais simplesmente, "Tu sabes...", aquilo que se passa não é amor. É um escombro que nasce onde devia haver uma janela. 

O amor nunca nos procura. Pode parecer que sim; eu sei. Mas não. Primeiro, vem tudo aquilo que se trabalha para o amor. Só depois, a paixão. E a seguir, claro, a ousadia de o desejar, a ânsia de lutar por ele e a capacidade de o saber esperar.

O amor não passa de moda! Mas, por mais que todos falemos nele, são poucos aqueles que acreditam que o amor é possível. E menos, ainda, os que trabalham (muito!), de forma humilde, até que o consigam encontrar. Por mais que haja quem os ponha em dúvida e lhes diga: Andas à procura de alguém perfeito? Não! - devia ser a resposta. Ando à procura de ter a certeza de quem mereça o meu amor!

Porque é que somos tão preguiçosos para com o amor? Porque, mal ou bem, fomos todos um bocadinho amados. E isso faz com que nos imaginemos com um "valor facial" muito acima daquele que temos. E nos leve a que fiquemos, sobretudo, à espera que as pessoas especiais venham ter connosco e falem por nós. E - antes, ainda, de nos engasgarmos com uma palavra - que adivinhem os gestos certeiros com o que o nosso coração ora palpita e oscila, ora chega ao céu, sem dar por isso. Como se alguém, muito mais do que nós, tivesse de trabalhar para alimentar o nosso amor. Como se fossemos os mais bonitos, os mais singulares ou, mesmo, os mais preciosos. Como se mais ninguém fosse além daquilo que temos para lhe dar. Como se o amor fosse nosso e só nosso. E nunca um eu e tu que liga, de forma irrepetível, o nós a mais ninguém.

Se bem que o Amo-te, mas não te desejo, de algumas pessoas, dê ao amor uma aura etérea e intocável (como se fosse possível esperar que alguém nos adivinhe à margem da curiosidade de olhar para dentro de tudo aquilo que lhe damos a conhecer ou que mostramos), é verdade que, para a maioria das pessoas, a sexualidade parece ser tudo o que resta quando o amor já se esgotou. Talvez por isso a vivam de forma eufórica. Como acabam por fazer todos aqueles que não aceitam que a vida precisa de alguma dor para que seja linda. Talvez por isso se dispam muito mais depressa por fora do que se despem por dentro. E, sendo assim, talvez vivam o dia seguinte com o sentimento de que o ontem, se terá tornado, muito depressa, tarde demais. Talvez porque confundam alegria, que é uma experiência de encontro e comunhão, com euforia. Que é um grito de triunfo sobre uma dor que nos persegue.

O amor não se faz sem muitas pessoas a viver no nosso coração. Mas quanto mais as pessoas do nosso coração são desconhecidos hospedados em nós, mais o amor - que é transparente - ganha em desconfiança e se torna estranho. E não é possível ser-se estranho e feliz ao mesmo tempo.

E, no entanto, sem sexualidade não há amor. Porque só quando dois mundos se cruzam num mesmo olhar o amor fala por nós. E só quando duas vergonhas costuram uma cumplicidade indesmentível o nosso amor ganha, quase sem querer, a nossa cara. E só quando dois gestos se casam e se ligam num único movimento (e dois ritmos desaguam um no outro) é que corpo, cabeça e alma falam do amor por nós. 

Só o amor nos casa. E só a sua ausência nos divide, por dentro. E divorcia. E é tal a ânsia de ir, depressa, ao seu encontro que, às vezes, imaginamos que basta o nosso amor para sermos amados. Por mais que o melhor do nosso amor não chegue para arrebatar quem, não fazendo de nós parte de si, não é, também por isso, aquilo que nos falta para ser o nosso amor.

Já todos fizemos, generosamente, por amar sozinhos. Por mais que, às vezes, não fique claro se gostamos de alguém ou, simplesmente, se gostaremos da forma como essa pessoas gosta de nós. Há muitos Eu queria ser feliz em todos os amores. Por mais que um Eu queria ser feliz seja uma espécie de Quero amar; para ontem.

Mas, afinal, depois de viver com o seu amor, sente mais orgulho ou mais vergonha? Transformou-se numa pessoa mais bonita ou mais feia? O tempo foge-lhe ou passa devagar? Está mais trôpego(a) com as palavras ou mais inteligente? Está mais apaixonado(a) ou sente-se insosso(a)? E a sua paixão tem a sua cara?

Se está mais bonito(a), mais orgulhoso(a), mais inteligente e mais intenso(a) em relação a tudo aquilo que vive, deixe-se ir. Talvez esteja a construir uma paixão. Mas se tem contas separadas, se os códigos do seu telefone são mais ou menos secretos, se não se confia todo(a) quando se trata de se despir por dentro, isso de ser totalista com as terminações tem graça. Se se perdeu da paixão, pode sentir-se amado(a)? Sem paixão as pessoas coabitam mas não convivem. Casam. Mas não namoram.

Não é possível amar alguém que só pareça lindo. É preciso que nos despenteie o coração, claro. Mas que nos torne inteligentes. E que nos leve a dizer, com uma surpresa acidental: "caí! Caí em mim." E que, dando um ar da sua graça, nos devolva (mesmo contrafeitos) ao melhor do nosso coração.

Mas se a pessoa a quem nos dedicamos vive cada um dos nossos Amo-te! como se as palavras fossem uma escalada que, de tão íngreme, a faz ficar por um sussurrado Gosto de ti, então o amor talvez viva ao engano. Quando se tem dificuldade em dizer amo-te isso não quer só dizer que se é trapalhão com aquilo que se diz. Mas, antes, que há quem se desculpe com isso quando não é capaz de assumir, com coragem, que não nos ama.

Não se ama se nunca se pedir desculpa. E não se ama se nos desculparmos demais. Quem ama não se atrapalha com as palavras. Nem faz de tudo aquilo que não diz um amor de malas sempre à porta.

Todos os amores são para sempre. Mas todos morrem. Por mais preciosos que pareçam. De descuido.

As pessoas casam-se precipitadamente. E divorciam-se ainda mais depressa. E é fácil que seja assim. Porque nem sempre as pessoas se casam por dentro quando se casam por fora. Porque casam, vezes demais, com o seu melhor amigo em vez de casarem com o grande amor da sua vida. E porque entendem que o maior desafio que o amor lhes coloca seja o de irem, sem erros nem perdas, ao seu encontro. E, pior, como se mais importante que encontrar um grande amor não fosse nunca o perder.

Sempre que trabalhamos mais para a nossa profissão do que para o namoro estamos a pôr o amor em primeiro lugar enquanto trabalhamos, todos os dias, para nos divorciarmos. Por mais que, muitas vezes, a carreira não estrague um casamento. Antes o proteja de um divórcio...

Um casamento nunca é um contracto. É um estado de espírito. Mas, depois, há as exigências familiares, o espaço imenso que as crianças ocupam. Os anseios e as contrapartidas de uma carreira. As aflições das famílias e as obrigações sociais. E, quando se dá por isso, os conflitos saudáveis, por quase nada, fazem um novelo de silêncio e quase deixem de existir. E se é verdade que, sempre que namoramos, nos casamos, por dentro, um bocadinho, mal desistimos de namorar divorciamo-nos, hoje, dez centímetros e, amanhã ou depois, mais outros vinte. E, quando se repara, somos familiares que ficam estranhos e pessoas íntimas que se desconhecem, todos os dias, um pouco mais. E enquanto isso se dá, as pessoas encontram-se sexualmente. Mas não se amam. A sexualidade é, vezes demais, o rendimento mínimo garantido duma relação que se constipou para o amor.

Talvez seja por isso que muitos casais que não falam, não se zangam, não constroem sonhos e não brincam. E que nunca se dispam por dentro. E é por isso que não é nítido que, com o tempo, a sexualidade se torne, para eles, necessária ou insubstituível. Por mais que, para muitos, haja uma febre de sábado à noite. Uma espécie de epidemia atípica de: hoje não, porque me dói a cabeça... Como se fosse possível que duas pessoas que se deviam amar se abusassem. Simplesmente. 

As pessoas tornam-se mais feias quando ficam mais velhas? Ou, doutra forma: porque é que as pessoas parecem perder a beleza, quando crescem? Porque acumulam dores por cicatrizar. Porque vão de desilusão em desilusão e sentem que deixaram de esperar o que quer que seja da pessoa com quem estão. E porque parece não haver quem as consiga arrebatar, admirar, entusiasmar ou surpreender. Quando é que dói o amor? Quando a sua falta nos ajuda a descobrir que muito depressa o amor se tornou tarde demais. Quando é que ele nos adoece? Quando amamos a olhar para trás. E quando é que, por fim, nos mata? Quando a pessoas com quem estamos nos faz ter mais saudades que esperança. E é por tudo isso que só o amor faz com que nunca se morra só uma vez.

Faz bem (ou faz mal) lembrarmo-nos, com frequência, da pessoa com quem, antes de estarmos numa nova relação, estivemos anteriormente? Faz bem. Desde que a memória não exagere, claro...

E quando temos uma nova relação, é normal sermos atropelados por sonhos onde entram pessoas importantes para o nosso coração por quem, antes, nos apaixonámos? Não. É saudável, claro. Nunca se ama sem contraditório.

E é normal trocarmos, de vez em quando, os nomes dessas pessoas e chamarmos aquela que, entretanto, entrou na nossa vida, o nome... da outra? É normal. Mas não convém...

E é, finalmente, normal apresentarmos as facturas de um amor que correu mal a uma pessoa que, entretanto, chegou à nossa vida? Ou vingarmo-nos, nessa pessoa, de tudo aquilo que uma outra nos fez? Não, não é normal. É fatal...

Porque é que temos tantas vezes a sensação de atrairmos as pessoas que mais nos magoam? Porque, de entre a pequena multidão das pessoas com quem se costura o nosso amor, são mais, às vezes, aquelas de quem fugimos do que todas as outras que, ligando, ligando e ligando, nos educam para o amor. Fugir de alguém que vive em nós faz com que fiquemos presos a esse alguém para quase sempre.

O desejo não é uma chama que se incendeie sem querermos. Às vezes, todos sabemos, até parece ser assim. Mas o desejo é muito mais uma consequência do que o ponto de partida. Mas, então, porque é que há amores... à primeira vista? Porque não estando nunca distraídos, há pessoas que ligam em nós, num flash, desejo, paixão e amor como mais ninguém, até aí, parecia levar-nos a ligar.

As pessoas prevenidas têm mais hipóteses de ser mais felizes ou, pelo contrário, ficam mais facilmente sozinhas? O calculismo é amigo do amor? É possível preparar o dia seguinte de véspera? É possível ser desconfiado e feliz, ao mesmo tempo? Como é que se pode confiar, de olhos fechados, e desconfiar, ao mesmo tempo?

De quantas pessoas se costura o nosso amor? De uma pequena multidão. E é por causa delas todas que descobrimos o amor. E por causa das outras, também, ao pé das quais cada dia seguinte se tornou tarde demais. E daquelas que fazem um esforço para ser melhores, por mais que nós merecêssemos que elas fizessem mais do que um... esforço (por mais que seria bom que fossem melhores... sem esforço). E das outras com quem quase tudo correu mal e, só por isso, vivem, para sempre, tatuadas no nosso coração. E das outras, claro, junto de quem tantas coincidências não podiam ser, assim, tão acidentais como pareciam. E costura-se, ainda, finalmente, com quem mereceu a veleidade de ser A pessoa, de entre todas as demais, da nossa vida. Será que escolhemos o amor ou o amor nos escolhe a nós? Não sei. Mas, seja o que for, nunca se ama sem se comparar. Sem se hesitar. E sem contraditar.

Com quantas pessoas é que dormimos sempre que nos deitamos ao pé do nosso amor? Com ele, claro. E quantas pessoas fazem o nosso amor e nós, quando dormimos, em sossego? Duas, claro. Duas pequenas multidões.

Algum amor é para sempre? Sim! Mas se for eterno enquanto dura." - Eduardo Sá



quarta-feira, 16 de maio de 2018





"O que sou seria suficiente, se, pelo menos, pudesse sê-lo abertamente." - Carl Rogers


"O texto que se segue foi escrito em resposta a uma pergunta colocada por uma rapariga de 15 anos: "Como posso preparar-me para ter uma vida enriquecedora?"

Eu sou eu.

Não existe no mundo ninguém exactamente como eu.

Algumas pessoas podem ter características semelhantes às minhas, mas ninguém é totalmente igual a mim. Por isso, tudo o que brota de mim é autenticamente  meu, porque é uma escolha só minha.

Sou dona de tudo o que faz parte de mim, do meu corpo e tudo o que ele faz; da minha mente e de todos os meus pensamentos e ideias; dos meus olhos e de todas as imagens de tudo o que eles vêem; dos meus sentimentos, sejam eles quais forem - raiva, alegria, frustração, amor, desilusão, entusiasmo; da minha boca e de todas as palavras que dela saem - educadas, carinhosas ou ofensivas, correctas ou incorrectas; da minha voz, a gritar ou a falar baixinho; de todas as minhas atitudes, em relação aos outros ou a mim mesma. 

Sou dona das minhas fantasias, dos meus sonhos, das minhas esperanças, dos meus medos.

Sou dona de todas as minhas vitórias e dos meus sucessos, dos meus fracassos e enganos.

Como sou dona de mim por inteiro, posso familiarizar-me profundamente comigo mesma. E ao fazê-lo, posso amar-me e ser minha amiga e de todas as partes que fazem de mim quem eu sou. E posso fazer com que todas essas partes trabalhem em prol do meu bem-estar.

Sei que há coisas em mim que me intrigam, e outros aspectos que desconheço. Mas desde que seja amiga de mim mesma, posso procurar as respostas para as dúvidas de forma corajosa e confiante, e encontrar outras formas de descobrir mais coisas.

O que quer que eu aparente ser, o que quer que eu diga ou faça e o que quer que eu pense ou sinta num determinado momento, corresponde ao que sou. É genuíno e representa quem sou nesse determinado momento. 

Mais tarde, ao analisar o que disse ou fiz e o que pensei ou senti, posso achar que algumas partes não se adequam. E posso rejeitar o que não se adequa e manter o que acho apropriado, e inventar algo novo que substitua o que rejeitei.

Posso ver, ouvir, sentir, pensar, dizer ou fazer. Tenho as ferramentas para sobreviver, para estar próxima dos outros, para ser produtiva, para conseguir dar sentido e ordem ao universo de pessoas e de coisas exteriores a mim.

Sou dona de mim, logo, posso criar-me.

Eu sou eu e estou bem." - Virginia Satir

terça-feira, 15 de maio de 2018





"No sentido absoluto, a separação não existe. E, contudo, nós encontramo-nos, tocamo-nos e temos de partir. Então sofremos tanto, ao sentirmos que aqueles que amamos se estão a ir embora e que, basicamente, nos encontramos sozinhos.

Assim, tememos estar próximos de alguém e podemos até pensar: «Como é que eu posso suportar amar-te e sei que podes ir embora?» A proximidade pode então ser encarada como o maior de todos os perigos.

Erigimos tantos muros para nossa protecção. Mas ao vivermos a nossa vida por detrás desses muros tornamo-nos solitários e tristes; a separação, quando realmente acontece, magoa-nos então ainda mais. Sentimos falta da oportunidade de proximidade que tivemos.

Mas enquanto não formos capazes de nos separarmos inteiramente de uma determinada pessoa, nunca podemos atrever-nos a amá-la com todo o nosso coração. Na maior parte dos casos, ficamos presos algures ali no meio, agarrando-nos à pessoa com todas as nossas forças e reprimindo muitas coisas que sentimos e que queremos dizer-lhe.

Quando aprendemos a estar com outra pessoa sem quaisquer reservas, a separação torna-se mais simples, mais natural. Aprendemos a tornar-nos completos. Quando não vivemos plenamente com ela ou quando a vemos como a fonte do nosso bem-estar, a sua perda pode ser sentida como significando também o nosso fim. Tememos que, uma vez que aquela pessoa tenha partido, possamos ficar completamente sozinhos." - Brenda Shoshanna

segunda-feira, 14 de maio de 2018





"Eu creio que tudo o que li me serviu.

Ler um livro é percorrer um caminho: há caminhos atraentes, caminhos aborrecidos, caminhos fáceis e caminhos tortuosos. Há caminhos que conduzem a lugares bonitos e caminhos que não conduzem a lado algum.

Ler um livro é penetrar noutro mundo. Há mundos novos e diferentes, cheios de coisas originais e fascinantes que esperam ser descobertas. E também há mundos repetitivos e medíocres onde tudo é igual, monótono e sem matizes. Há mundos para visitar só uma vez e outros onde queremos sempre voltar.

Ler um livro é como conhecer outra pessoa. Há pessoas que me atraem desde o primeiro momento, que desde o mais pequeno contacto me agarram a cativam. Há pessoas que parecem insípidas e sem valores até que penetro mais nelas e começo a desfrutá-las. Há pessoas retorcidas, complicadas e elitistas. Há pessoas que me enriquecem apenas pelo seu contacto e há outras que, na verdade, pouco me podem trazer. Felizmente, também há pessoas tão transcendentes que conseguem modificar a minha vida." - Jorge Bucay

domingo, 13 de maio de 2018





"(...) - A maioria das pessoas assemelham-se à água de uma chaleira - disse ele. - Esforçam-se por chegar ao ponto de ebulição, mas quando este acontece não se lembram de que têm de retirar a chaleira do lume. E a água transborda e apaga precisamente aquilo que a faz ferver.

- E o que sucede quando a água continua a ferver, sem que o lume se apague? - quis saber o rapaz.

- Transforma-se em vapor, e este desaparece no ar. Mas tu consegues agarrar o ar?

- É claro que não - respondeu o discípulo.

- Contudo, o vapor consegue voltar para ti - prosseguiu o Mestre.

- Como?

- Porque é capaz de se transformar em chuva. Mas podemos ter a certeza de que a água da chuva é a mesma que estava na chaleira?

- Não, é impossível - respondeu o rapaz.

- O caminho da água parece-se com o caminho da vida - proferiu o Mestre. - Os pais acham que os filhos lhes pertencem. Os filhos pensam, assim que crescem, que o seu corpo é propriedade sua. Cada um procura cuidar o melhor possível daquilo que considera ser sua pertença e seu bem. No entanto, por mais que uma pessoa aprecie tudo aquilo que pensa possuir, um dia acabará por o deixar, e ninguém poderá evitar que tal aconteça. Os filhos abandonarão os pais, a nossa alma abandonará o nosso corpo, e tudo o que juntámos desaparecerá, sem que possamos impedi-lo. Por isso é bom viver como a água." - Chao - Hsiu Chen

sábado, 12 de maio de 2018





"Não posso desfazer os meus erros; não posso renegá-los. O que tenho sido capaz de fazer é aprender com eles, aceitá-los, como parte do conjunto de coisas que fizeram a minha vida unicamente minha.

Mas erros são uma coisa; mágoas são outra. Erros acontecem e geralmente acabam. As mágoas deixam-se ficar. Um erro é um evento. A mágoa é atmosférica.

É moda, penso, negar ter quaisquer penas, reivindicar que, se uma pessoa pudesse viver outra vez, não faria qualquer mudança. Com toda a franqueza, penso que isto é asneira gabarola, ou talvez exactamente sintoma de uma vida que não tem sido exemplar. Ao longo de curso de anos e décadas, mágoas, pequenas e grandes, tendem a acumular-se. Como poderia ser de outro modo, dado quantas escolhas enfrentamos cada dia, quantas vezes somos desafiados a mostrar-nos à altura das circunstâncias? As mágoas são nada mais nada menos que evidência de se ter vivido; são como os pequenos arranhões ou cicatrizes que marcam os nossos joelhos e cotovelos. A boa nova é que, depois de um intervalo de tempo, já não doem mais; mas é fraudulento fingir que elas não estão lá.

Lamento as minhas hesitações.

Lamento as vezes em que não dei o devido valor ao misterioso poder do próprio compromisso.

O compromisso move o mundo. Ao mesmo tempo dá poder e cura-nos; é combustível e remédio juntos. É o antídoto para mágoa, apatia, falta de autocrença. O compromisso abate portas fechadas e nivela estradas com buracos. Compromisso gera confiança e justifica também confiança. Compromisso alarga os nossos esforços, para arrastar aqueles recursos bem fundos no íntimo que se encontram em poisio, até que decidimos descobri-los e usá-los.

Assim, para rematar, dir-lhe-ei a mesma coisa que tenho dito a mim próprio milhares de vezes: é a si que compete criar a sua vida. Seja grato pela oportunidade. Agarre-a com paixão e arrojo. Seja o que for que decida fazer, comprometa-se com isso com toda a sua força... e comece-o agora mesmo.

De que está à espera?" - Peter Buffett

sexta-feira, 11 de maio de 2018





"Ainda hoje, John Keating, o professor interpretado por Robin Williams em O Clube dos Poetas Mortos, representa um brilhante exemplo de coragem. Neste filme magistral, Keating lida com um grupo de alunos disciplinados, tensos e reprimidos de um colégio interno e incentiva-os a transformarem as suas vidas em algo maravilhoso.

Eram jovens que, como Keating tenta explicar-lhes, tinham perdido de vista os sonhos e aspirações e começado a viver, automaticamente, as expectativas e os projectos que os pais tinham escolhido para eles. Planeavam ser médicos, advogados ou administradores bancários porque era isso que os pais lhes tinham dito que iriam ser. Mas, na verdade, aqueles jovens apáticos nem sequer tinham pensado naquilo que o coração lhes dizia para fazer.

Logo no início do filme há uma cena em que o professor Keating leva os alunos até ao átrio do colégio onde está uma vitrine com fotografias de antigos alunos. "Olhem para estas fotografias, rapazes", diz o professor. "Estes jovens que estão a ver tinham o mesmo brilho no olhar que vocês têm. Queriam conquistar o mundo e ter uma vida fascinante. Isto foi há 70 anos. Hoje, estão todos debaixo da terra. Quantos terão vivido o seu sonho? Quantos terão conseguido concretizar os seus objectivos?"

De seguida, o professor inclina-se na direcção dos alunos e sussurra: "Carpe diem! Aproveitem o dia!"

De início, os alunos não sabem o que pensar sobre o estranho professor, mas rapidamente começam a ponderar sobre a importância das palavras dele. Passam a respeitar e a estimar o professor que lhes mostrou uma nova visão - ou que fez com que voltassem às visões iniciais - do mundo.

Todos carregamos uma espécie de postal de feliz aniversário que gostaríamos de oferecer a alguém - uma manifestação pessoal de alegria, criatividade e vivacidade que escondemos debaixo da roupa.

Um dos personagens do filme, Knox Overstreet, está perdidamente apaixonado por uma rapariga muito bonita, mas não tem coragem de se aproximar dela. Até que se recorda do conselho do professor Keating: "Aproveitem o dia!"

Knox apercebe-se de que não pode, simplesmente, continuar a sonhar. Para conseguir ficar com ela, vai ter de fazer algo. E faz. De uma forma poética e audaz, declara-lhe os sentimentos mais profundos. Durante este processo, ela rejeita-o, e Knox leva um murro do namorado dela, vendo-se obrigado a enfrentar alguns contratempos embaraçosos. Mas, ainda assim, Knox não se mostra disposto a abrir mão do seu sonho e continua a perseguir o objecto do seu amor até que, finalmente, a rapariga percebe a genuinidade dos seus sentimentos e abre-lhe o coração. Embora Knox não seja especialmente bonito ou popular, consegue conquistá-la graças à sinceridade. E consegue fazer com que a sua vida passe a ser maravilhosa.

Também já tive a oportunidade de aproveitar o dia. Apaixonei-me perdidamente por uma rapariga que conheci numa loja de animais. Era mais nova do que eu, tinha um estilo de vida muito diferente do meu e não tínhamos muito para conversar. Mas, de alguma forma, nada disso parecia ter importância. Gostava de estar com ela e sentia algo especial quando estávamos juntos. E parecia-me que ela também gostava de estar na minha companhia. 

Assim que soube que o aniversário dela se aproximava, decidi convidá-la para sair. Quando estava prestes a telefonar-lhe, sentei-me e fiquei a olhar para o telefone durante cerca de meia hora. Depois, marquei o número e desliguei antes de ouvir o sinal de chamada. Senti-me como um adolescente, a oscilar entre estados de nervosismo e ansiedade e o medo de ser rejeitado. Um voz interior dizia-me que ela não gostava de mim e que eu tinha uma grande lata por estar a convidá-la para sair. Mas sentia-me tão entusiasmado com a possibilidade de estar com ela que não deixei que o medo me travasse. Ganhei finalmente coragem e convidei-a para sair. Ela agradeceu o convite, mas disse que já tinha planos.

Fiquei absolutamente arrasado. A mesma voz que me tinha dito para não lhe telefonar aconselhou-me a desistir antes que me envergonhasse ainda mais. Mas estava determinado a perceber o que resultaria daquela atracção. Havia mais coisas dentro de mim que queriam ganhar vida. Sentia algo por aquela mulher e tinha de expressar o que sentia.

Passei pelo centro comercial e comprei-lhe um bonito postal de aniversário onde escrevi uma mensagem poética. Fui até à loja de animais onde ela trabalhava. Assim que me aproximei da porta, a mesma voz de sempre avisou-me: E se ela não gostar de ti? E se te rejeitar?

Sentindo-me vulnerável, escondi o postal debaixo da camisola. Decidi que lhe daria apenas se vislumbrasse algum sinal de afecto da parte dela; se achasse que estava distante e fria, não o entregaria. Assim, não me arriscava a passar por uma rejeição constrangedora.

Conversámos durante algum tempo, mas não consegui perceber qualquer sinal, nem bom nem mau. Comecei a sentir-me pouco à vontade e preparei-me para sair.

No entanto, ao aproximar-me da porta, ouvi outra voz. Parecia um sussurro, muito semelhante à voz do professor Keating. Disse-me: Lembra-te do Knox Overstreet. Carpe diem!

E, assim, fui confrontado com a vontade de exprimir os meus sentimentos e o medo de me expor emocionalmente. Como posso dizer às outras pessoas para viverem os seus sonhos se eu não o fizer? Além do mais, qual é a pior coisa que podia acontecer? Qualquer mulher gostaria de receber um postal de aniversário com uma mensagem poética. Decidi aproveitar o dia. E assim que tomei essa decisão, senti um ímpeto de coragem a correr-me pelas veias. Há, de facto, poder na intenção.

Senti-me tão satisfeito e em paz comigo mesmo como não me sentia há muito tempo... Tinha de aprender a abrir o coração e a dar amor sem exigir nada em troca.

Tirei o postal de debaixo da camisola, dirigi-me ao balcão e entreguei-lhe. Subitamente, senti um entusiasmo e uma vivacidade incríveis - e medo. (Fritz Perls disse que o medo é "entusiasmo sem fôlego.") Mas tive coragem.

E sabem o que mais? Ela não se mostrou nada impressionada. Agradeceu-me e pousou o postal sem sequer o ler. Partiu-me o coração. Senti-me desapontado e rejeitado. Não ter qualquer resposta pareceu-me ainda pior do que levar uma tampa.

Despedi-me educadamente e saí da loja. Foi então que aconteceu uma coisa espantosa. Comecei a sentir-me eufórico. Uma imensa onda de satisfação percorreu-me o corpo todo. Tinha sido capaz de expressar os meus sentimentos e isso fez-me sentir maravilhosamente! Tinha conseguido ultrapassar os meus medos e arriscar. Sim, posso ter sido um bocadinho desajeitado, mas consegui. (Emmet Fox disse: "façam-no a tremer como varas verdes, se for preciso, mas façam-no!") Consegui abrir o meu coração sem exigir uma garantia dos resultados. Não me dispus a dar apenas para receber algo em troca. Mostrei os meus sentimentos sem estar à espera de uma determinada resposta.

A dinâmica necessária para que qualquer relação funcione: expressar o amor de forma contínua.

O meu entusiasmo evoluiu para um estado de felicidade extrema. Senti-me em paz comigo mesmo e com uma sensação de satisfação que não sentia há muito tempo. Percebi o objectivo da experiência: aprender a abrir o meu coração e a dar amor sem esperar nada em troca. Esta experiência não consistia na criação de uma relação com aquela mulher. Consistia no aprofundamento da minha relação comigo mesmo. E consegui. O professor Keating ficaria orgulhoso. Mas, acima de tudo, eu estava orgulhoso.

Não voltei a ver muitas vezes a rapariga desta história, mas a experiência mudou a minha vida. Através daquela simples interacção consegui ver claramente a dinâmica que é necessária para que qualquer relação, ou até mesmo o mundo, funcione: continuar a expressar o amor.

Acreditamos que sofremos quando não recebemos amor, mas não é isso que nos magoa. A dor resulta do facto de não darmos amor. Nascemos para amar. Pode até dizer-se que somos máquinas de amor, criadas de forma divina. Funcionamos de forma mais plena quando damos amor. O mundo fez-nos acreditar que o nosso bem-estar depende de as outras pessoas nos amarem. Mas esse é o tipo de raciocínio torto que nos tem vindo a causar tantos problemas. A verdade é que o nosso bem-estar depende da nossa capacidade de darmos amor. Não se trata daquilo que volta para nós, mas antes daquilo que parte de nós!" - Alan Cohen

quinta-feira, 10 de maio de 2018





"Embora todos nós digamos que queremos encontrar o amor, a maioria de nós passa grande parte do seu tempo a criar separação entre si e os outros. Quando estamos num relacionamento, é fácil encontrarmos defeitos no outro, fixarmo-nos em necessidades que não estão a ser supridas ou sentir que nos está a ser exigido demasiado. Sentimo-nos mais seguros e naturais quando declaramos qual é o nosso território, fixamos fronteiras firmes e sentimos que as necessidades e interesses dos outros são basicamente diferentes dos nossos. Muitos apreciam ter oponentes e inimigos, e sentem-se perdidos quando os não têm. Conhecem-se na oposição aos outros e acham excitante testar a força deles, entrar em competições, sair por cima e afirmar a sua superioridade e domínio. Esta pode, na verdade, tornar-se a sua principal fonte de identidade.

Uma grande parte da nossa educação encoraja este aspecto. Somos ensinados a comparar-nos com os outros, a conseguirmos o melhor para nós, a ganhar as competições e, acima de tudo, a não sermos tomados por parvos nem nos transformarmos no bobo da corte.

Grande parte daquilo a que se chama treino de relacionamentos consiste em aprender a ter sucesso na manipulação dos outros de modo a que consigamos que eles façam o que nós queremos, ou em influenciar e controlar a interacção. Encontrar alguém com quem casar ou viver junto é como fazer um bom negócio na compra de um automóvel. A pessoa torna-se um bem. O seu valor é determinado por aquilo que ela consegue dar, pela sua cotação no mercado e pela durabilidade do seu valor. Os homens que abandonam os casamentos na meia-idade, quando os filhos já são crescidos e a mulher está a envelhecer, a começar a sentir-se cansada, partem em busca de alguém que possa aumentar o seu valor aos seus próprios olhos e no mercado. 

Quando vemos as pessoas como bens é impossível vivermos uma vida em que estamos apaixonados. Na verdade, apaixonarmo-nos pode ser considerado o negócio mais inútil, tolo e até arriscado em que nos podemos meter. Tornamo-nos vulneráveis, infantis, inocentes, felizes e nem sequer nos incomodamos a tentar manipular os que nos rodeiam. Não há necessidade de tal. Temos tudo o que queremos. Uma vida de amor é uma vida de confiança, serviço e felicidade. Contudo, muitos são os medos que nos impedem de abandonar as velhas formas. Alguns receiam que uma vez que tenham abandonado a sua prudência ou cessado de encarar o outro como um oponente, possam ser devorados. Não haverá qualquer esperança de manter uma identidade separada, pois estarão constantemente a sucumbir aos desejos do outro. O amor torna-se então a sua maior dependência e retira-lhes o poder. Estas pessoas vêem o amor como algo que é debilitante, não como uma fonte de autonomia e de força. 

O temor de perdermos a nossa identidade separada baseia-se numa compreensão errónea do que é a verdadeira unidade e do que significa servir e amar." - Brenda Shoshanna

quarta-feira, 9 de maio de 2018





"É assim: a morte está ligada a uma grande impotência. E talvez este seja o grande temor da morte que está em (quase?) todos nós. O temor da impotência.

Vivemos num mundo com o culto do êxito. O triunfador, o ganhador, o vencedor, o forte, o poderoso: esses são os nossos modelos. Esses são os heróis admiráveis que mostramos aos nossos filhos no cinema, na televisão, nos livros e nas revistas. Esse é o modelo de nós mesmos que queremos dar aos nossos filhos: «o papá pode», «o papá sabe», «o papá é bom», «o papá nunca se engana». Em resumo: «o papá é o Super-Homem».

E assim crescemos, com estas mensagens.

E assim chegámos a adultos. Perdão, rectifico: queria dizer maiores.

E assim nunca aprendemos a aceitar o que não podemos. 

E assim vivemos: a esquivar, a negar e a evitar sentirmo-nos impotentes.

Hoje encontro-me com outro cuja atitude me desagrada. Falo com ele, mas ele não a modifica. Sinto-me impotente e não suporto a minha impotência. Então, grito com ele. 

Não é suficiente para que ele mude. Continuo a não suportar a minha impotência. Então, insulto-o.

Não resulta. Ele continua na dele. E eu, com a minha impotência. Então bato-lhe e, se continuar a sentir-me impotente, então mato-o. E continuo a sentir-me impotente... Então... Ah! Então suicido-me.

Parece uma grande loucura, não é verdade? E é mesmo!

Mas não será este, por acaso, o mecanismo pelo qual alguns pais batem nos filhos?

Quando chegavam às urgências do hospital crianças com feridas, equimoses e, às vezes, lesões sérias produzidas pelos seus pais, que era aquilo? «Incentivos de aprendizagem?» «Correctivos?»

Quando, numa discussão de rua, um dos indivíduos puxa de uma arma e ataca o outro, que é isso? «Um excesso provocado pela exaltação?»

Quando alguém renuncia à vida e salta de uma janela, que é isso? «Um acto de protesto?»

Sustento que não!

Sustento que estas e todas as outras hostilidades que pululam no nosso mundo são o resultado da incapacidade de alguém ou de alguns suportarem o seu não poder. São a expressão de uma absoluta negação da realidade, uma realidade que impõe que não sejamos omnipotentes.

Convido-te a investigá-lo por ti próprio.

Da próxima vez que te encontres com uma atitude hostil (isto é, destrutiva e cruel; que fere ou causa dano), da próxima vez, olha para dentro de ti. Procura a impotência implícita. E, quando a encontrares, quando souberes que é isso que não aceitas, que é isso que não podes modificar, tenta aceitar simplesmente que talvez não possas. Dá-te conta de que, se puderes, talvez não seja neste momento nem por este caminho. Aceita a tua impotência.

E, se o fizeres, quando voltares à tua realidade deste momento, talvez comproves com surpresa que a tua hostilidade desapareceu.

O mais interessante é que, muitas vezes, quando eu percorro este caminho e, de regresso, renuncio à atitude hostil, o outro, quem quer que seja, costuma tornar mais aberta a sua capacidade de escutar. Aparece assim uma probabilidade adicional de interacção que me estava vedada, quando ele empregava todas as suas energias em defender-se de mim e, então, não tinha espaço sequer para modificar a sua postura.

Atenção: não confundas hostilidade com agressão.

Outra vez as palavras? Sim, outra vez." - Jorge Bucay

terça-feira, 8 de maio de 2018





"Deixou a casa do pai e correu para a praça da aldeia, para brincar com os seus companheiros. Quando chegou junto da fonte, ouviu umas pancadas estranhas. Tentou descobrir de onde vinham, e reparou que era de um cajado ao qual se amparava um homem idoso que vinha a descer as escadas do templo. O vento revolvia-lhe o cabelo comprido e agitava-lhe a barba prateada. O rapaz estava impressionado: nunca tinha visto uma figura assim.

As pancadas aproximaram-se, e um raio de sol passou por entre as nuvens, indo iluminar o rosto do ancião, que irradiava uma grande experiência de vida. O rapaz olhava fixamente o desconhecido. Era muito raro aparecer um estranho na aldeia. Os sapatos que o homem trazia e a sua roupa estavam gastos, pelo que se depreendia que tinha atravessado muitas cumeadas e muitos rios para chegar até ali. Nesse momento, também as outras crianças avistaram o recém-chegado.

- Quem és, e de onde vens? - quiseram saber.

- Já não tenho nome - respondeu o homem -, e não sei qual o caminho que me trouxe até aqui. Na noite passada dormi onde o sol se pôs, e hoje acordei onde ele nasceu.

As crianças riram-se ao ouvir estas palavras estranhas, e quiseram ouvir mais.

- Quem encontraste pelo caminho? - perguntou uma rapariga.

- Encontrei duas espécies de pessoas: umas que, de coisas sem valia, criavam coisas maravilhosas, e outras que, de coisas maravilhosas, criavam coisas sem valia.

- E em qual dos grupos é que te incluis? - quis saber a mesma rapariga.

- Eu procuro criar algo de maravilhoso  daquilo que não tem valia.

- Não percebo - disse um dos rapazes. - Isso significa que és capaz de reparar aquilo que está completamente estragado?

- Estou certo de que tu também és capaz - respondeu o homem.

- Mas eu de certeza que não sou - proferiu um outro rapaz -, porque o meu pai está sempre a chamar-me «cabeça de palha», mesmo quando faço uma coisa bem.

As crianças começaram a discutir. Quanto mais falavam, mais alto o faziam e mais se entusiasmavam, comprimindo-se em volta do ancião. Sentiam que ele era diferente dos outros homens da aldeia. De repente ouviu-se uma voz rude. 

- Ó cabeça de palha, ainda aqui estás? Vai já para casa!

O interpelado encolheu os ombros e foi-se embora. Outras crianças foram atrás, porque também já eram horas de recolher.

- A minha mãe diz que, seja onde for que se esteja, não há nada melhor que estar em casa - afirmou uma rapariga, ao mesmo tempo que arrumava os seus brinquedos. - E os meus avós também o diziam.

O ancião olhou para ela pensativamente.

- Se os teus pais acham que a sua casa é o maior bem que possuem, então é porque vivem aprisionados. Por isso é melhor considerarmos a nossa casa como um albergue em que passamos um dia após outro.

- E onde fica o teu albergue? - perguntou o rapaz que tinha avistado primeiro o ancião.

- Fica tão longe como o fim do céu - respondeu este, - e tão perto como o princípio da terra. Fica onde o coração encontra a tranquilidade." - Chao - Hsiu Chen