sábado, 11 de abril de 2015



"Há pessoas que coleccionam antiguidades, selos ou recordações dos Beatles. Eu colecciono travessias de fronteira, e as melhores foram aquelas em que tive de atravessar a pé, do Camboja para o Vietname, dos Estados Unidos para o México, do Paquistão para a Índia, da Turquia para a República da Geórgia. Para mim, uma fronteira representa a vida da maioria das pessoas. «Tornei-me estrangeiro», disse V. S. Pritchett, referindo-se às suas viagens. «Para mim, é o que um escritor é - um homem que vive do outro lado de uma fronteira.» É empolgante sair a pé de um país para outro, um simples peão que troca de país, atravessando a linha teórica que se vê nos mapas. 
Muitas vezes, uma fronteira é um rio - o Mekong, o Zambeze; ou uma cordilheira - os Pirenéus, os Ruwenzoris; ou uma súbita alteração na topografia - uma surpreendente transformação paisagística - o acidentado Vermont que se vai aplanando até ao Quebeque. Porém, com a mesma frequência - talvez a maior parte das vezes -, uma fronteira é irracional se bem que incaracterística, uma vastidão que dá pelo nome de Terra de Ninguém, uma faixa de terra ladeada por vedações. Mal se distingue um país do outro. Muitas vezes não existe uma diferença visível, como pode testemunhar qualquer migrante que atravessa o deserto de Sonora do México para o Arizona - o baldio cavalga a fronteira; se existe algum dramatismo, ele é imposto pelas autoridades, aumentado pela presença da polícia ou da Guarda Fronteiriça. Noutros casos, a fronteira é uma linha a tracejado, inventada e arbitrária, um conceito político que divide comunidades e povos, criando diferença e desarmonia. Suponho que o acto de atravessar uma fronteira a pé é a minha maneira de desfazer a diferença e procurar harmonia, embora somente na minha cabeça. É quase sempre um acto feliz, mesmo na escuridão da noite, que a burocracia e as inspecções tornam mais lento. Além disso, existe uma igualdade nas travessias pedestres das fronteiras: não há primeira classe, não há faixa para pesados, não há tratamento preferencial. Fazemos fila no escritório, carimbam-nos o passaporte, revistam-nos as malas e lá vamos nós, talvez para arranjar boleia do outro lado ou voltar a subir para o autocarro. Este só parte quando toda a gente está pronta, e, enquanto esperam, os viajantes arrastam os pés e falam sem parar." - Paul Theroux

Sem comentários:

Enviar um comentário