quinta-feira, 21 de maio de 2015



"A melhor viagem não era uma simples viagem de comboio nem sequer toda uma colecção delas, mas algo mais extenso e mais complexo: uma experiência da quarta dimensão, com paragens e arranques e trechos monótonos, períodos de doença e recuperação, perdas de tempo e ter de correr e depois ter de esperar, com o súbito fenómeno de felicidade como recompensa episódica.
Algumas viagens não implicavam locomoção, mas antes períodos de residência e reflexão, descrever órbitas imponderáveis, como quando me tornei quase invisível e parecia dissolver-me, outra vez a parecer um fantasma, num local agradável, versão aromática de casa, dias de trabalho e pensamento em que me mantinha como um monge na minha cabeça, sem consciência do exótico - dias em que saía do quarto de hotel para uma ruela asiática apinhada, como se tivesse sido projectado para ali como «transferência de matéria» por uma luz quente, surpreendido por ver um bazar, riquexós e vendedores de rua escanzelados, belas raparigas a olhar, e eu a rir-me: Que estou a fazer aqui?
Acabara por ver que a viagem, para mim, já não era um interlúdio de procura de divertimento, nem sequer o desvio sinuoso de me dirigir a casa, mas um modo de viver a vida: uma viagem sem fim em que o único destino era a escuridão. A beleza disso era que estava a fazê-lo do modo mais simples, como um sem-abrigo com uma pequena mala e uma pasta de papéis, a roçar pelo mundo, a viajar leve." - Paul Theroux

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