domingo, 31 de maio de 2015



"Era um safari que estava a quilómetros de distância do meu próprio safari de esforço, onde estavam incluídos os transportes públicos, as infecções de fungos, as pequenas extorsões, os leprosos trocistas, os quartos horríveis, a comida de má qualidade, as explosões de intestinos, os animais em fuga, as salas de aulas em ruínas, os atrasos sem sentido e as ameaças bruscas, do estilo: «Há gente má ali adiante!» ou «Dê-me dinheiro!» Os viajantes do consumo adoram partir de avião para o Malawi, para passar uns dias numa estância à beira-rio, mas no Malawi eu tinha ficado aterrado - como diria um malawiano conhecedor da Bíblia - com os anos que os gafanhotos tinham comido.
Porém, embora eu detestasse incómodos, as dificuldades não me perturbavam; e, se tinha suportado alguns tormentos, também tinha descoberto alguns esplendores, vivido algumas aventuras interessantes e reencontrado amigos. Atravessara diversas fronteiras, fizera um piquenique à beira da Sexta Catarata do Nilo, navegara pelo lago Vitória, remara no Zambeze de Moçambique e passara um dia com o meu velho amigo e actual primeiro-ministro do Uganda. Ao longo do caminho. sempre que alguém me pedia que fizesse um resumo do safari, eu gaguejava e emudecia, porque se tratara menos de uma viagem do que de uma experiência de desaparecimento de circulação, um longo período da minha vida que passara sozinho, improvisando uma viagem pelo mais verde dos continentes. Sentia-me orgulhoso por não poder dizer: «África é maravilhosa!», Os criados eram fixes!» «Fiz uma limpeza de pele no alojamento de caça e Wendy foi à pedicura!» «Comemos guisado de antílope!» «Havia, tipo, uma revolução na capital, e nós não fazíamos a mínima ideia!», ou ainda: «O mordomo preparava-me o banho.»" - Paul Theroux

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