terça-feira, 22 de setembro de 2015



"Na maior aflição, no irremediável naufrágio, qualquer um quer salvar a sua alma. Ninguém quer passar sem deixar rasto. Um filho, um poema escrito numa página, uma qualquer violência irrevogável. A vida, mais do que uma viagem com lugar de partida e porto de chegada, é um caminho que se perde no escuro interior de uma floresta, num grande esquecimento. Falta-nos destino. Fomos abandonados pelo divino, o que está fora do tempo e do espaço, o que dá sentido ao mundo que gira e persiste em girar insustentado. Vamos morrer não no fim, mas um pouco antes, sem entrever a terra prometida, desacreditando de tudo. A angústia não é senão isso, o pavoroso medo do que inteiramente ignoramos, o medo no núcleo do medo. Aqui nenhuma ciência, por mais exacta, ajuda. É risível esperar o que quer que seja do que tenha peso e medida e seja sujeito à universal gravidade. Torna-se difícil resistir a uma qualquer superstição, a uma qualquer mentira, um desculpável conforto. Quase esquecemos que ignoramos de onde viemos, obcecados em saber para onde seguimos inexoravelmente, a morte com as suas garras de fora. Mesmo o crucificado se sentiu desamparado, quanto mais nós que cometemos tantos ridículos crimes, inúteis pecados contra outros e nós próprios, tanta vaidade. Sentados à volta de uma mesa quadrada, uma garrafa bebida até meio e um cinzeiro sujo, as frases caem no chão desfazendo o sentido. O silêncio vai ocupando a casa, quarto a quarto. Só ao fundo ouvimos o eco dos nossos passos. Queríamos gritar alto, mas o grito sufoca-nos. Onde está quem fui? Terminará de vez a minha ânsia? Que abrigo posso esperar que seja meu? Trago as minhas mãos geladas. Acordo para descobrir, uma outra vez, que uma alma não é conciliável com um corpo. Venha a paz de uma fé falsa." - Pedro Paixão

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