domingo, 20 de setembro de 2015



"Uma criança quando entra na escola perde para sempre algo maravilhoso. O pequeno deus selvagem que a habita é abafado. Celebra-se a entrada no inferno do mundo. A imposta distância a quem ama loucamente é um primeiro abandono imperdoável ao qual se seguirão na vida outros, como ecos. Ao aprender a escrever perde-se uma natural vivacidade no falar porque a gramática é uma prisão cheia de erros e castigos. A criança começa a ser talhada, retalhada, para poder encaixar num buraco qualquer de uma sociedade indispensável. Eu sei que viver na pura alegria de uma criança é pedir demasiado. Eu sei que pedir para viver é demasiado. A escola ensina-nos antes de tudo a saber que viver inteiramente não é possível, que vamos ser destinados a ser isto ou aquilo, que a expressão «quero tudo» é uma criancise a ser destruída, uma perigosa inconsciência. Mas não é por razões teóricas que odeio escolas. Talvez sinta ódio só por sentir medo. No jardim-escola tudo aquilo é uma balbúrdia assustadora quando as crianças são lançadas para o pátio onde se distinguem pela primeira vez os violentos e se determinam futuras vinganças. No liceu aprende-se a adular os professores, a ser mesquinho nas ambições, a guardar só para si o pouco que se sabe. É a escola do poder em larga escala. Na universidade as coisas parecem ir melhor porque já se está perfeitamente domesticado. É preciso escolher um curso determinado pelo acaso e passar de ano para ano como quem sobe uma escada para o calaboiço. É no emprego que nos tiram de vez a cabeça, um resto de independência, a capacidade de uma qualquer alegria. Os colegas são o inferno da idade adulta. Claro que isto tudo é indispensável e não compreende as crianças a sucumbir de fome e sede. Claro que há bons e maus professores, ambos a impor que se saiba o que eles sabem e mais nada. Claro que é um inestimável luxo haver escolas e poder aprender a ser útil e subordinado como um utensílio de caça. Claro que há empregos onde alguns escolhidos se sentem realizados, ou nisso se enganam, o que é o mesmo. Pessoas que se confundem com produtos e serviços. Os sonhadores ficam obrigatoriamente desempregados e acabam mal. Está escrito com sabedoria divina que o reino dos céus pertence aos simples de espírito. Com a educação tecnológica acima de tudo alastra uma terrível cegueira e a bondade não se ensina." - Pedro Paixão

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