quarta-feira, 7 de outubro de 2015



"As palavras preenchem abismos. Constroem pontes de madeira ou aço fino. Somos todos em forma de palavras. As palavras machucam, doem, cortam. Palavras súbitas declaram a guerra e palavras esperançosas anunciam a paz. Qualquer palavra é mais do que uma palavra. Há palavras sonoras e palavras murmúrios. Palavras meigas e palavras bruscas. Umas suplicam, outras arrepiam. Em algumas podemos confiar, mas só em algumas. Em geral revelam o que outras apressadamente escondem. Há palavras que destroem almas, países. Há palavras ditas que nos elevam a alma até ao céu de onde depois rápidas regressam. Sem nunca esquecer as imprescindíveis palavras obscenas. Qualquer palavras dá e tira, junta e separa. Por vezes meia palavra é mais do que suficiente. Cada palavra possui uma origem inviolável. Ninguém sabe quem disse a primeira, quanto mais todas as outras que se lhe seguiram. Uma palavra agarra o que outra cala. Palavra puxa palavra. Há palavras que se colam à carne, aos lábios, aos sexos floridos. Palavras que desejamos esquecer muito e não é possível. Quem criou uma única palavra que levante o dedo. Só deus conhece a cor de todas as palavras de todos os dicionários de todas as línguas que os têm. Porque há palavras que nunca foram escritas, as mais lindas. É na verdade uma traição escrever uma palavra tentando fixar o imparável espírito que a anima. As palavras vêm do peito, passam pela garganta e desfazem-se no ar esperando que alguém as apanhe com as duas mãos cerradas. Nenhuma nos pertence. Mas também há palavras que se dizem em silêncio numa vontade de recuperar o que foi perdido e mesmo sarar algum pecado. As palavras têm asas que as não deixam sossegar. Trazem consigo sabores e cheiros e coisas macias. As palavras unem-nos para definitivamente nos afastarem. Requerem entre si uma pausa que é a distância entre elas e nós próprios. É indispensável o breve silêncio que as separa. É nessa distância que habitamos. Sem ela irrompe um ameaçador vazio. É aí que melhor se escutam as palavras que se abrem e depois se esquecem." - Pedro Paixão

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