sábado, 1 de outubro de 2016




"Uma coisa é esforçarmo-nos por deixar de ver o lado negativo das coisas e não ficarmos obcecados, sempre a pensar se a decisão tomada foi ou não realmente a melhor. E outra coisa muito diferente é desejar o impossível. Este último erro de percepção também é causa de infelicidade.
Nos nossos primeiros anos de vida, e sobretudo durante a nossa juventude, todos gritámos aos quatro ventos as nossas exigências de uma felicidade absoluta, permanente e completa. Mas, pouco a pouco, a vida vai-nos ensinando que, na verdade, nada é nosso, tudo pertence ao destino. Paulatinamente vamos aceitando como quimérica essa concepção juvenil da felicidade e vamo-nos conformando com pequenos momentos tranquilos e agradáveis. Costuma ser assim a transição para a velhice. O célebre aforismo de Aristóteles, «o prudente não aspira ao prazer, mas sim à ausência de dor», parece adaptar-se claramente melhor a alguém cujas forças declinam do que a uma pessoa repleta de vigor.
Expectativas impossíveis. Esperanças vãs às quais é melhor renunciar se não queremos que acabem por prejudicar a nossa felicidade... De que estou a falar? Estou a falar de que é melhor aceitar que nesta vida há coisas que são irrealizáveis. De que, como irrealizáveis que são, é melhor deixarmos de nos preocupar em consegui-las. E, sobretudo, que é melhor deixarmos de espernear e de nos enraivecermos por as coisas serem como são. 
Expectativas impossíveis. Querem exemplos concretos. Parece-me justo.
Primeiro exemplo: desejar que tudo esteja sob o nosso controlo absoluto, que nada escape à nossa vista. Outro, também bastante habitual: ser completamente irrepreensível quanto ao nosso próprio código ético. E consigo lembrar-me de um terceiro: ser uma cópia perfeita do nosso ideal de perfeição.
Na prática, todas estas coisas - e mais algumas outras - são inviáveis. Deixemos que os outros sejam os divinos, os arrebatadoramente perfeitos, aqueles cujo comportamento é irrepreensível. Devemos contentar-nos em ser humanos: de certeza que seremos muito mais felizes. Muitas das maiores tensões que temos de suportar nas nossas vidas resultam de querermos cumprir objectivos inalcançáveis que, curiosamente, fomos nós que estabelecemos. Faríamos um grande favor a nós próprios se, para variar, baixássemos um pouco a fasquia de vez em quando.
Não estou a pedir que renunciem aos vossos sonhos. Nem pensar. Isso nunca. Sempre gostei de acreditar que - dando-vos a minha versão de fragmento da obra de Shakespeare,  A Tempestade - a realidade é feita do mesmo material que os sonhos. Muitas das grandes coisas, materiais e não materiais (estou a pensar sobretudo no reconhecimento dos nossos direitos básicos como seres humanos), de que alguns quantos privilegiados do primeiro mundo podem desfrutar hoje em dia, conseguiram-se graças a muitas pessoas idealistas que tiveram sonhos. E graças ao facto de estas pessoas terem lutado para os tornarem realidade.
Aquilo que defendo, como forma de sermos mais felizes, é que não abdiquemos dos nossos sonhos, mas das expectativas utópicas.
Lembro-me de um quarto exemplo de expectativas impossíveis para acrescentar à lista: a expectativa de não querer ter problemas. Sinto muito por ser um desmancha-prazeres mas, pela minha experiência pessoal, querer passar pela vida sem problemas - maiores ou mais pequenos, mais frequentes ou menos - é de todo impossível. Penso que é melhor para a nossa felicidade aceitarmos esta realidade e, em seu lugar, esmerarmo-nos por alcançar um objectivo realizável, ou seja: ter o menor número possível de problemas. É impossível não termos contratempos, por isso é melhor aceitá-lo. Ter problemas é normal. O cinzento e o preto poderão parecer-nos feios, mas também são cores da vida. Com o mesmo direito que o cor-de-rosa.
«Cada pessoa é um mundo», diz, muito acertadamente, a sabedoria popular. Cada um de nós tem as suas próprias incoerências, paradoxos, conversas inconscientes entre o nosso lado racional e o emocional. E, muitas vezes, a única coisa que chegamos a conhecer de todo este frenesim cerebral que se está a produzir nas cabeças dos outros é o resultado visível: uma pessoa com ar feliz ou não. Os olhares dizem bem alto aquilo que o coração cala." - Clemente García Novella

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