sexta-feira, 18 de novembro de 2016




"A nossa existência é uma pequenez, é o espirro de uma formiga. A minha morte - pfft!, dá vontade de rir. Pensa, neste momento quantos passarinhos morrem, quantas formigas são pisadas, quantos homens morrem de doença, de velhice, de violência. Morrem todos. Quem o diz bem é o Deus Krishna, tudo o que nasce, morre e tudo o que morre, nasce. Eu também sinto o fim como um início. O início é o meu fim e o fim é o meu início. Porque estou cada vez mais convencido de que é uma ilusão tipicamente ocidental considerar que o tempo é linear e que segue sempre em frente, que existe progresso. Não existe. O tempo não é direccional, não segue em frente, sempre em frente. Repete-se, gira à volta de si próprio. O tempo é circular.  E eu sinto isto com muita intensidade. Vemo-lo também nos factos, na banalidade dos factos, nas guerras que se repetem.

Os indianos têm um profundo sentido de si próprios. A sua mitologia é baseada no contínuo ciclo de destruição e criação. Têm razão, não há criação sem destruição, pelo que na sua trindade hinduísta existe o deus criador, o conservador e o destruidor. O destruidor passa e - vrumm!, destrói tudo, para que o criador possa voltar a criar, o conservador possa conservar, o destruidor possa voltar a destruir.

Não digo que isto seja uma consolação porque eu queira voltar, antes pelo contrário! Acho que uma das poucas coisas que aprendi, que interiorizei, ao viver sozinho na cabana dos Himalaias, foi a renúncia aos desejos, que é a verdadeira, última grande forma de liberdade. E creio que consegui. Já não desejo mais nada. Certamente que já não desejo a longevidade. Mas nem sequer desejo a imortalidade, nem dizer: «Acaba, mas vai recomeçar e isso dá-me consolo.» Não, não é isso que eu sinto. É a beleza, a beleza de que aquilo que acaba, recomeça. Porque assim é o universo. Porque dentro de uma semente que cai por acaso já existe uma árvore enorme. Quando cai, a semente parece morta, acabada. Mas recomeça. Gosto desta beleza, desta beleza que vejo em todo o lado, e que vejo ainda mais no fim da minha vida terrena.

Sinto esta minha vida que escapa, mas que ao mesmo tempo não escapa, porque é parte da mesma vida das árvores. Uma coisa lindíssima, a dissolução da vida no cosmos e ser parte de tudo. Esta minha vida não é a minha vida, é a vida do Ser, é a vida cósmica da qual sinto fazer parte. Por isso, não perco nada, ao desprender-me do corpo, não perco nada.

Assim, isto é o fim, mas também é o início. 

E a imagem que me vem à mente quase todos os dias ao abandonar o meu corpo é a mesma de um monge zen que se senta no silêncio da sua cela, agarra num pincel, mergulha-o no almofariz onde colocou tinta, coloca-se perante um pedaço de papel de arroz e com grande concentração faz um círculo que se fecha. Um círculo que não é feito com um compasso, mas sim com o último gesto da mão sobre a terra. A vida conclui-se.

Na verdade, este círculo é o que eu agora procuro concluir.

Acho que a vida de eremita que fiz durante algum tempo me colocou em contacto com a sensação da incrível impermanência de tudo. A constatação de que tudo é impermanente é lindíssimo. E aceitar o que a Ásia já percebeu isso há que tempos, que não há alegria sem sofrimento, que não há prazer sem desprazer. Então, cansamo-nos, afastamo-nos, não com indiferença perante os outros, que até podemos amar, mas sem sermos escravos, porque a vida de todos os que amamos também passa, passa. 

E este maravilhoso cemitério, que é a terra, continuará imenso. Está tudo ali. Estrume e cinzas. Depois volta a ser prado. Devo dizer que ao pensar nisto agora, não fico triste." - Tiziano Terzani

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