terça-feira, 15 de novembro de 2016




"O passado teve grandes momentos. Nós hoje chamamo-lo Idade Média, mas foi um dos períodos mais interessantes da nossa civilização. O homem tinha uma relação muito forte com o divino. Depois, a ciência ganhou força e tomou o lugar da religião. E a ciência é fantástica, a ciência contribuiu imenso para tornar a nossa vida mais cómoda. Chove e mete-nos um telhado em cima da cabeça, temos fome e dá-nos de comer. Mas dá-nos mais o quê? Nada. Tira-nos o céu, porque com a pretensão de ser tudo, bloqueia qualquer outra aspiração.

Eu não sou antimodernista ou anticientífico, mas é necessário encontrar um equilíbrio, procurar a Via do Meio. Há alguma coisa em nós - o coração, o sentimento de amor, a intuição - que a ciência não toma em consideração. Não quer saber dos sentimentos. Então, já ninguém deixa que a voz do coração fale connosco. Aliás, fazer isso é considerado um pouco ingénuo.

Pensa, há grandes cientistas, personagens que descobrem coisas incríveis. Mas lá por uma pessoa ganhar o Prémio Nobel da Química não significa necessariamente que é um mestre, que é um iluminado. Pode até ser um palerma.

O homem ilude-se acerca do conhecer e certamente evolui na via do conhecimento. Mas apercebe-se de que cada vez que chega ao limite do que é conhecido, o desconhecido é imensamente mais vasto do que aquilo que ele conhece e que alguma vez conseguirá conhecer. Seria então interessante aceitar que existe este mistério, que há algo que nunca compreenderemos, e aceitá-lo. Incluindo o mistério da morte. Nós morremos a partir do momento em que nascemos. Quando somos jovens e pensamos que a morte acontece aos outros. Mas se aprendêssemos logo em criança que a morte faz parte da vida, que podemos integrar a morte na vida, então a nossa vida seria mais intensa, porque continha este contraste e esta dimensão. Não temos de morrer para perceber isso! Podemos viver até aos cem anos, mas com a consciência de que a nossa vida e a nossa morte são a mesma coisa.

Quem é que fala de morte? Hoje, falar de morte é um tabu, como dantes era falar de sexo. No século XIX não se falava de sexo à mesa. Hoje falamos disso à mesa, mas da morte nem por sombras.

Acho que tudo o que digo nos leva a algo que é o meu único verdadeiro contributo: olhar para o mundo de outra forma. Olhar para o mundo de um modo pessoal, de um modo mais sensível. Está ali, é maravilhoso. Em vez disso, olhamos todos para ele da mesma maneira e cada vez mais olhamos para ele através destes malditos instrumentos tecnológicos. Já não olhamos para o mundo como ele é e não olhamos para ele com os nossos olhos. 

E o mundo vai passando. Passam milhões de formigas maravilhosas, de borboletas, de fios de erva, e não nos apercebemos de nada. Passa um comboio através de um túnel. E perdemos uma oportunidade de nos tornarmos melhores, de nos enriquecermos. 

Percebes que o que estou a dizer é tão banal, tão simples, e mesmo assim parece uma grande descoberta?

Quando as pessoas têm um problema, em vez de pararem, em vez de ficarem em silêncio a ouvir a voz do coração, saem, vão para o meio da multidão, vão ao cinema, vão curtir com alguém para se aparvalharem, para esquecerem. E não param. Até que um dia chega, um dia chega...

De uma maneira ou de outra vem ao de cima. E não estamos prontos, não temos os instrumentos, não estamos preparados. Então, quando temos um problema, devemos parar, parar, parar. Ouve e tenta encontrar a resposta dentro de ti. Porque ela está lá. Dentro de ti há algo que te mantém estruturada, que te ajuda, existe uma vozinha. Ouve-a. Alguns chamam-lhe «Deus», outros chamam-lhe de outra forma, mas ela existe. E esta também é a minha... nem sequer digo a minha esperança, mas estou convencido de que é assim.

De alguém que ia com os tios, ao domingo, para ver os ricos, a comerem gelado, o teu pai tornou-se nisto... Neste sentido não estou arrependido. De quê? Consegui fazer a viagem! Não uma grande viagem, mas a minha viagem. Todos viajam, as formigas viajam, todos fazem a sua própria viagem.

A meu ver, a regra é: quando estamos numa bifurcação e nos deparamos com um caminho que vai para cima e outro que vai para baixo, escolhe o que vai para cima. É mais fácil descer, mas vamos parar a um buraco. Subir dá esperança. É difícil, é outro modo de ver as coisas, é um desafio, mantém-te alerta. A outra coisa que eu costumo dizer é a de estarmos conscientes do que nos acontece. Não encares as coisas com ligeireza. É preciso estar alerta e ter momentos de solidão, de silêncio, de reflexão, de distanciamento. E olhar.

O passado é simplesmente uma recordação, não existe. São as memórias que acumulas, recordações, falsificações. Mas agora, nada de falsificações! O que tu esperas do futuro é uma caixa cheia de ilusões, está vazia. Quem é que te garante que se vai preencher? «Agora trabalho, depois reformo-me e vou pescar.» Quem é que sabe se ainda vai haver peixes? A vida acontece neste momento e é neste momento que uma pessoa deve saber desfrutar." - Tiziano Terzani

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