sexta-feira, 7 de abril de 2017






"Todos os dias, para toda a gente, há um diálogo entre o conforto e o desconforto. A cada momento de cada dia, o Automático esforça-se por mantê-lo nos muitos estreitos parâmetros dentro dos quais a vida humana é viável e confortável. Há uma miríade de minúsculos ajustamentos a ocorrerem neste momento, desde o metabolismo ao comportamento, tudo a trabalhar esforçadamente para permanecer na mesma. O neurocientista António Damásio chama a este conjunto de mecanismos interdependentes a «máquina homestática».

Ficar na mesma é um processo constante e dinâmico. Estamos num perpétuo diálogo activo com a mudança, sempre em transição, sempre num estado de «já foi» ou «está prestes a ser», sempre a tentarmos estar bem connosco. Sendo sistemas complexos, há sempre um intervalo no ajustamento quando tentamos ir ao encontro das circunstâncias constantemente mutáveis, modulando o estado em que nos encontramos em determinada altura. Por muito confortáveis que nos consigamos sentir, teremos de nos esforçar para permanecer assim: as luzes tornar-se-ão mais fracas, ou a temperatura baixará, ou ficaremos com fome ou cansados, irrequietos ou aborrecidos; algo exigirá um ajustamento para você poder continuar confortável e terá de mudar para ficar na mesma. 

Há sempre um período de ajustamento, de resistência à mudança vindoura. E não é só pelas nossas antecipações, receios e desejos: com as nossas histórias acerca de como deveríamos ser criamos o fosso entre o sítio em que nos encontramos e onde desejaríamos estar, ou pensamos que deveríamos estar. Tornamo-nos desconfortáveis para nós mesmos. Os nossos desejos de estarmos noutro sítio produzem uma ânsia ou uma fadiga, ao pensarmos em todo o trabalho que teremos de realizar para lá chegar. As nossas aversões pelo estado actual levam a um crispamento interior, um fechamento; ainda uma espécie de ânsia, mas desta vez o desejo de fugir ou de lutar. Nunca inteiramente quietos, vivemos num constante estado de fluxo entre o agora e o depois, entre o que é e o que poderia ser, continuamente perturbados e em ajustamento, sempre a recuperar.

Entre nós e a nossa circunstância, entre nós e nós próprios, há sempre uma troca de bem-estar e discórdia. É ao longo dessa fronteira que a nossa vida acontece, é ao longo dessa linha que sentimos o que é sermos nós, é quando sabemos o que somos. Essa constante fricção contra aquilo que ainda não somos gera o calor dos sentimentos. E isto não é bom nem mau, mas necessário." - Vincent Deary

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