terça-feira, 12 de setembro de 2017





"O tema da intimidade é de suprema importância na configuração dos estilos afectivos. A intimidade toca os nossos acontecimentos interiores, as nossas vivências, o exercício da nossa vontade, as nossas intenções e o movimento das nossas necessidades e anseios, por muito ocultos que possam ser. Por outro lado, prende-se com a capacidade de exprimirmos os afectos, de tocarmos e sermos tocados, de abraçarmos, de chorarmos com alguém, de verbalizarmos os sentimentos que se desencadeiam em nós a cada instante.

Erik Erikson, psicólogo americano de origem alemã, ficou conhecido como o pai da teoria do desenvolvimento da personalidade, também designada como teoria psicossocial. Esta teoria descreve oito etapas do ciclo vital a que chamou «pequenos estágios de conflito», provavelmente vividos por muitos de nós ao longo da existência. Um destes pequenos estágios - o quinto - diz respeito à intimidade. Entre os vinte e os quarenta anos cumpre-nos resolver a polaridade entre intimidade e distanciamento, isto é, torna-se desejável que aprendamos a perder-nos e encontrar-nos no outro, e a escolher entre amar e fecharmo-nos num egocentrismo puro.

O interessante da proposta de Erikson é o facto de pôr em evidência a necessidade de estruturar uma identidade, um eu seguro. A capacidade de estabelecer intimidade depende, em grande parte, do desenvolvimento de um eu diferenciado, íntegro e sólido, resultante da superação do estágio complexo e questionador que é a adolescência.

Agora que está em voga recuperar o mito de Peter Pan, ou seja, o eterno rapaz que se recusa a crescer e que serve de modelo para referenciar os seres humanos que temem o compromisso, podemos socorrer-nos dele para nos ajudar a compreender a razão pela qual tanta gente foge do vínculo profundo com o outro. Na verdade, a abertura à intimidade requer uma «identidade realizada».

No processo de consolidação da nossa identidade, nas sociedades ocidentais, há um paradigma que toca, sobretudo, os homens - a ideia de que a realização é obtida através do prestígio profissional. «Ser alguém na vida» passa, para muita gente, pela capacidade de obter rendimentos elevados, ou de atingir posições socialmente prestigiantes. Assim, a realização pessoal e o autoconhecimento não são contemplados na concepção vigente de consolidação da identidade.

Não é, pois, de estranhar que as identidades seguras, ou seja, as intrinsecamente fortalecidas, brilhem pela sua ausência ou sejam raras. Como se lamentam muitas mulheres, o mercado está péssimo.

A experiência da intimidade requer autonomia e independência, mas também o reconhecimento da necessidade de partilhar um espaço interior comum com outra pessoa. Quando falamos de intimidade, falamos da presença de outra pessoa. Sem alguém que nos escute e nos acolhe, não existe intimidade.

Aderimos, com frequência, à falsa ideia de que apenas podemos ser inteiramente genuínos quando estamos sós, e que é nessa condição que reside a verdadeira intimidade. «Se apenas a sós conseguíssemos ser o que verdadeiramente somos, a relação com os outros seria pautada por um grau mais ou menos apreciável de falsidade... e a intimidade consistiria, então, no que está proibido de revelar aos demais.»

Pelo contrário, a intimidade mais profunda é aquela que é partilhada. É justamente isso que a torna autêntica, e não o facto de revelar o que é verdadeiro em cada um dos intervenientes. Na realidade, só podemos ser alguma coisa, ou alguém, quando nos inclinamos para alguma coisa, ou para alguém. Arendt diria que nenhuma condição da existência humana - nem mesmo a dos eremitas da brava natureza - é viável sem um mundo que, directa ou indirectamente, testemunhe a presença de outros seres humanos. 

Deve haver uma descoberta da profundidade e uma resposta sensível por parte do receptor dessa procura, e é esse o motivo por que a igualdade, a reciprocidade e o compromisso são essenciais na vida íntima. É uma vivência que não se pode ter com qualquer pessoa, daí a força da relação - uma das suas características essenciais - e a razão pela qual se concerte no sustentáculo da nossa realidade mais profunda.

No entanto, a intimidade assusta muitas pessoas: incomoda-as, pois sentem que se tornam vulneráveis pelo facto de partilharem as suas intimidades. É então que surge o medo, aliás, os medos que Elaine Hartfield, grande especialista em comunicação e relações interpessoais, descreveu de forma muito precisa:

1. Medo de revelar fragilidades e vergonhas a outra pessoa, devido, ao elevado grau de exposição que isso implica;

2. Medo do abandono, por se ser considerado indesejável;

3. Medo de perder o controlo;

4. Medo dos próprios impulsos destrutivos - a sensação de que podemos fazer muito mal ao outro;

5. Medo de que o outro nos «devore», no sentido em que nos roube a individualidade.

Luciano L'Abate, professor jubilado de Psicologia na Universidade da Geórgia, apresenta uma sequência evolutiva que visa aprofundar a intimidade:

1. Comunicação de valores pessoais;

2. Respeito pelos sentimentos pessoais;

3. Aceitação de limitações pessoais;

4. Afirmação;

5. Partilha da dor e do medo de senti-la;

6. Disposição para perdoar os erros.

Perante estes dados, torna-se mais fácil compreender por que razão é fundamental ter-se uma identidade bem estruturada. Se uma pessoa não tem confiança em si própria ou nos demais, e se não existe capacidade de autonomia, qualquer encontro íntimo pode converter-se numa experiência de dolorosa vulnerabilidade. 

Quando nos expomos sinceramente, vivemos uma experiência de superação pessoal, ou seja, corre-se o risco de falhar uma prova, o que é uma e a mesma coisa. Por outras palavras, corre-se o risco de suspensão, rejeição ou abandono, daí que tantas pessoas prefiram preservar a sua bolha individual, ou mesmo alimentá-la como um mistério, em vez de arriscarem explodir perante o outro, levando-o a descobrir que não existe nada, afinal, no interior. Ou melhor, talvez existam, sim, sentimentos embaraçosos, traduzíveis numa sensação íntima e profunda de medo e desamparo.

É na intimidade que está a chave para se compreender de que forma se consolida a confiança, como se exercita e fortalece o vínculo. Nas relações de casal, acresce ainda a intimidade sexual, o gozo de participar, com o outro, no encontro profundo entre corpo e alma. Criar essa atmosfera é como entrar no universo da jardinagem do amor." - Xavier Guix

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