terça-feira, 21 de novembro de 2017





"Na noite em que viria a atingir a iluminação, o Buda sentou-se debaixo de uma árvore. Enquanto ali estava sentado, foi atacado pelas forças de Mara. Reza a história que elas lhe atiraram espadas e lanças e que as suas armas se transformaram em flores.

O que significa esta história? Aquilo que encaramos habitualmente como obstáculos não são verdadeiramente nossos inimigos, mas nossos amigos. Aquilo a que chamamos obstáculos é na verdade a maneira do mundo e de toda a nossa experiência nos ensinar onde ficámos bloqueados. O que pode parecer uma seta ou uma espada pode ser efectivamente experienciado como uma flor. O facto de experienciarmos o que nos acontece como um obstáculo e um inimigo ou como um professor e um amigo depende inteiramente da nossa percepção da realidade. Depende da nossa relação connosco próprios.

Os ensinamentos dizem-nos que os obstáculos surgem ao nível exterior e ao nível interior. Neste contexto, o nível exterior é a noção de que algo ou alguém nos prejudicou, interferindo com a harmonia e a paz que julgávamos pertencer-nos. Algum patife deu cabo disso. Esta noção específica de obstáculo surge nos relacionamentos e em muitas outras situações; sentimo-nos desapontados, prejudicados, confusos e atacados de muitas formas diversas. As pessoas têm sentido isso desde os inícios dos tempos.

Quanto ao nível interior do obstáculo, é possível que não exista nada verdadeiramente a atacar-nos a não ser a nossa própria confusão. Talvez não haja nenhum obstáculo sólido além da nossa própria necessidade de nos protegermos de sermos tocados. Possivelmente, o único inimigo é o facto de não gostarmos do modo como a realidade é agora e, por isso, desejarmos que ela desapareça rapidamente. Contudo, o que descobrimos como praticantes é que nada desaparece antes de nos ensinar o que precisamos de saber. Se corrermos a 160 km/h até ao outro lado do continente para fugirmos do obstáculo, encontramos o mesmo problema à nossa espera à chegada. Ele não pára de voltar com novos nomes, formas e manifestações, até aprendermos o que quer que tenha para nos ensinar acerca do ponto em que nos estamos a separar da realidade, sobre o modo como estamos a recuar em vez de nos abrirmos, a fechar-nos em vez de nos permitirmos experienciar na totalidade aquilo que encontramos, sem hesitações nem recuos para dentro de nós mesmos.

A essência da vida consiste no facto de ela ser um desafio. Umas vezes ela pode ser doce, e outras amarga. Algumas vezes, o nosso corpo fica tenso, outras descontrai ou abre-se. Umas vezes temos uma dor de cabeça, e outras sentimo-nos 100% saudáveis. De uma perspectiva desperta, tentar atar todas as pontas soltas e conseguir perceber tudo equivale à morte, porque implica a rejeição de muita da nossa experiência básica. Há algo de agressivo nessa abordagem da vida, em tentar alisar todos os pontos mais agrestes e todas as imperfeições, de maneira a fazermos uma viagem sem sobressaltos.

Estarmos totalmente vivos, sermos totalmente humanos e estarmos completamente despertos, implica sermos continuamente atirados para fora do ninho. Viver completamente é estar sempre na terra-de-ninguém, experimentar cada momento como algo completamente novo e fresco. Viver é estar disposto a morrer vezes sem conta. Do ponto de vista desperto, isso é vida. A morte é querermos agarrar-nos àquilo que temos e fazer com que cada experiência nos confirme, nos felicite e nos faça sentir completamente unos." - Pema Chödrön 

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