domingo, 26 de novembro de 2017





"O bodhichitta (é um termo sânscrito que significa "coração nobre ou desperto") está disponível em momentos delicados a cuidar das coisas, quando limpamos os óculos ou penteamos os cabelos. Está disponível em momentos de apreciação, quando reparamos no céu azul ou paramos para ouvir a chuva. Está disponível nos momentos de gratidão, quando recordamos uma ternura ou reconhecemos a coragem de outra pessoa. Está disponível na música e na dança, na arte e na poesia. Sempre que nos desprendemos de nos refugiarmos em nós próprios e olhamos para o mundo à nossa volta, sempre que nos conectamos com a tristeza, sempre que nos conectamos com a alegria, sempre que largamos o nosso ressentimento e as nossas queixas: nesses momentos, o bodhichitta está presente.

O despertar espiritual é frequentemente descrito como uma viagem até ao topo de uma montanha. Deixamos para trás os nossos apegos e as coisas mundanas e subimos lentamente até ao topo. No cume, já transcendemos toda a dor. O único problema com esta metáfora é que deixamos todos os outros para trás - o nosso irmão bêbedo, a nossa irmã esquizofrénica, os nossos animais e amigos atormentados. O seu sofrimento persiste, não sendo aliviado pela nossa fuga pessoal. 

No processo de descoberta do bodhichitta, a viagem é descendente, e não ascendente. É como se a montanha apontasse para o centro da Terra, em vez de se dirigir rumo ao céu. Em vez de transcendermos o sofrimento de todos os seres, avançamos em direcção à turbulência e à dúvida. Saltamos para dentro dela. Deslizamos para dentro dela. Entramos nela em bicos de pés. Avançamos na direcção dela da maneira que pudermos. Exploramos a realidade e a imprevisibilidade da insegurança e da dor e tentamos não a afastar. Mesmo que demore anos, mesmo que demore várias vidas, deixamos que seja assim. Ao nosso próprio ritmo, sem velocidade nem agressividade, descemos cada vez mais fundo. Connosco avançam milhões de outros, nossos companheiros no despertar do medo. Lá no fundo encontramos água: a água curadoura do bodhichitta. Ali mesmo, na intimidade das coisas, descobrimos o amor que nunca morre." - Pema Chödrön

Sem comentários:

Enviar um comentário