quinta-feira, 23 de novembro de 2017





"Se o essencial é tudo aquilo que sentimos, então não é verdade que o essencial seja «invisível» aos olhos e ao coração. E se me permitem o desaforo, já cansa que acabemos rendidos à ideia de que o invisível seja imaterial e, por isso, mal exista, por mais arrebatador que nos pareça aquilo que sintamos.

Imagino que esta «tentação materialista» se configure na ilusão de que uma realidade de contornos definidos e com qualidades sensoriais seja uma verdade mais compreensível e mais palpável. E que - seja «o material» uma cadeira ou uma moeda, sejam dezoito valores em vez da sabedoria, ou um contrato de casamento no lugar de um grande amor - ao pé de tão presumível objectividade, o essencial não se torne invisível. Mas... atrapalhador, piegas, «jurássico», ou mesmo trôpego. Afinal, o que carece de consistência material merece um olhar de esguelha e uma bruma de dúvidas que desnorteia quem compara o material com o essencial.

É por isso que, sempre que queremos encontrar um motivo irrefutável para a nossa tristeza ou para um sentimento de vazio que nos atravessa de surpresa o coração, «o tempo», «o trabalho» ou quaisquer outros alibis (de preferência, palpáveis ou materiais) sejam causas mais credíveis que todo o resto, que, sendo essencial, parece ser invisível aos olhos dos outros (e também ao nosso coração).

Vivemos num mundo cada vez mais objectivo e normalizado. E, por isso mesmo, em muitos aspectos, melhor, mais justo e mais livre. Mas um mundo que, por vezes, quantifica tão exageradamente que não qualifica. E que tenta tão freneticamente materializar aquilo que se vive que desqualifica quase tudo o que se sente. E que tem oposto o visível ao essencial, como se os sentimentos nos afastassem de tudo o que é objectivo e material.

O que é engraçado é que quanto mais se estimula a materialismo mais há quem se alarme diante de uma gritante «crise de valores». Uma «crise» que vai merecendo a aflição daqueles que a alimentam e a fúria fundamentalista dos que acham que aquilo que, para eles, é invisível... não pode existir para mais ninguém. Afinal, quem nunca sentiu o essencial imagina que o invisível não existe.

Nesta divisão entre aquilo em que se toca e tudo o que se sente - entre o material e o essencial - permanece a ideia de que a sabedoria, aquilo que se é ou um amor que se viva não possam ser invisíveis e materiais. Essenciais e irrefutáveis. «Jurássicos» e credíveis. Mas, afinal, será aquilo em que se toca que dá verdade ao que sentimos ou são os nossos sentimentos que tornam real tudo o que se toca?" - Eduardo Sá

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