domingo, 17 de dezembro de 2017





"«Está tudo bem.» Ouvimos dizer a toda a hora - da parte de familiares, amigos, políticos e apresentadores de programas de televisão que não sabem como explicar porque é que as coisas acontecem de determinada maneira ou o que podemos fazer em relação a isso. Em 2004, o USA Today elegeu-a «Citação Desportiva» do ano. Mas os dias do «Está tudo bem» já chegaram ao fim. No seu lugar temos: «As coisas são como são.»

Pode parecer um cliché. Algumas pessoas poderão argumentar que é uma estratégia trivial e conveniente de nos descartarmos de toda e qualquer responsabilidade pessoal ou de passarmos por cima de todos os desgostos e frustrações que advêm da perda e de outras formas de adversidade. Mas, se formos para além do uso excessivo dessa expressão, constataremos que ela é muito profunda.

A afirmação «as coisas são como são» implica um reconhecimento tácito de que, mesmo não sabendo que «coisas» são essas, elas são como são. É uma proclamação de que a vida tem as suas próprias condições e que, embora nós próprios possamos naturalmente estabelecer as nossas, a vida irá sempre ser como é. Cabe-nos a nós «fazer o balanço» - conciliar as dívidas e os lucros da vida, os seus ganhos e perdas, o seu sofrimento e a sua alegria. Muito do que acontece nesta vida está para além do nosso entendimento e do nosso controlo. As coisas são... como são.

Acreditar no oposto (por exemplo, «as coisas são como eu digo») é perigoso e enganador, porque significa que funcionamos com certezas, como se fôssemos detentores da verdade. A pessoa que se recusa a crer que «as coisas são como são» diz: «Sei como são as coisas, por isso, só têm de ouvir o que digo e mais nada.» Segue-se uma doutrina «irrefutável», baseada numa qualquer crença rígida de ordem religiosa, política ou filosófica que a pessoa afirma ser uma verdade absoluta.

Não sou contra a política, a filosofia ou a religião. Já aconteceram coisas tão maravilhosas em nome de organizações fundadas na fé - serviço, honra e lealdade; amor, valor e um código para levar uma vida de abundância, aceitando aquilo que nos é superior a todos. Apenas me oponho a qualquer sistema de crença que afirme ser o único detentor exclusivo do que é real e genuíno. É esse tipo de abordagem moralista e sobranceira da vida que não só divide as pessoas por esse mundo fora, mas também nos divide internamente. Provoca fricção entre nós e dentro de nós. 

Ao impormos uma crença rigidamente assumida como sendo a verdade, estamos a polarizar grupos. Os fundamentalistas de qualquer credo creem: «Sou senhor e dono da verdade e vocês não. Como tal, imponho-vos a minha verdade.» Isso também acontece na psicologia, no direito - em tudo. É nessas circunstâncias que a nossa arrogância gera problemas entre pessoas, entre as pessoas e o mundo e no interior de cada um.

Quando as pessoas são humildes em relação às suas crenças, estas deixam de ser factores de divisão e tornam-se dádivas. A mudança do «eu sei» para o «na minha opinião» pode marcar a diferença entre a guerra e a paz. Significa: «Podem existir outras perspectivas.» Reconhece: «Posso não ter todas as respostas.» E reforça: «Se escolherem outro caminho, farei os possíveis para o compreender e respeitar.»

Algumas pessoas ficam surpreendidas quando se apercebem de que quase todas as fés têm uma «cláusula de exoneração de responsabilidade»: a humildade. Para a fé bahá'í, Deus é a «essência incognoscível». Que versão tão poética e delicada das limitações que enfrentamos.

E a fé bahá'í não é a única. Todas as grandes tradições religiosas contêm em si um veículo perfeito de verdade e compreensão. Todos nós vamos aprendendo, à medida que avançamos.

Por mais sensatos que nos tornemos, por mais espiritualmente sãos que nos sintamos e por mais sintonizados que possamos estar com a natureza e o universo, nunca deixamos de fazer parte de um enorme mistério. Tradição alguma - religiosa ou filosófica, espiritual ou científica - se pode considerar completa, sem reconhecer o desenrolar desse mistério. O mesmo se aplica a qualquer pessoa, incluindo o clero profissional, os gurus, os médiuns, os psicólogos, os autores, os não crentes e/ou os professores de New Age. Tem de haver uma humildade autodidacta e autocontrolada que afirme: «Tenho uma mentalidade parcial e incompleta. Exprimo a parte da verdade que conseguir compreender, mas estou aberto a uma contínua descoberta.» 

A vida é tanto um processo de saber e compreender como de não saber e não compreender. A ideia de que «as coisas são como são» convida-nos humildemente a explorar e não a resignarmo-nos com a ignorância. A mente fechada gera medo, hostilidade, desconexão e até violência, enquanto este tipo de abertura abre um caminho, rumo a um espaço de paz, humildade e compreensão." - Ken Druck

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