domingo, 3 de dezembro de 2017





"O desgosto é altamente desconsiderado.

Parece que endoideci de vez, não é? Afinal, passamos a vida inteira a tentar desesperadamente evitar o desgosto, a desaprovação e a rejeição, por todos os motivos mais óbvios. É doloroso. É horrível. Mas porque é que havia uma pessoa de defender o desgosto?

Se não corrermos riscos na vida e no amor, nem investirmos o nosso coração, o que é que acha que teremos no fim das nossas vidas? Não seremos meras carcaças vazias, sem um valor aparente que possa justificar o tempo que passámos no planeta? Seremos pessoas gordas, felizes e tranquilas? Talvez não tenhamos grandes perdas a registar... mas isso dever-se-á apenas ao facto de não termos corrido riscos. Estarão os nossos corações em tão boas condições como um Corvette de 1967 que esteve 45 anos guardado na garagem - porque não tivemos grandes amores para lhe riscar a pintura? Ou terá esse Corvette de 1967 percorrido uns bons 160 000 km, sofrido uns quantos riscos e amolgadelas e registado uns tantos milhares de memórias?

Se a vida é feita de trocas, então, uma das trocas mais maravilhosas e desconcertantes é a do amor. As pessoas com vidas mais abundantes  e compensadoras são as que mais abrem o coração ao amor. São também essas pessoas que mais tendem a sofrer desgostos, separações e perdas. Nem a vida nem os relacionamentos duram para sempre. Um dia, de alguma maneira, havemos de perder quem amamos.

E não me refiro apenas ao amor romântico. Falo do amor que os pais têm aos filhos e que os filhos têm aos pais. Entre bons amigos e companheiros de equipa. O amor apanha-nos de muitas formas. Mas todos os relacionamentos nos exigem o mesmo: que nos abramos ao outro, que estejamos vulneráveis e lhe revelemos o nosso verdadeiro eu - tudo isso correndo o risco de o perdermos a qualquer momento.

Um coração partido não é uma coisa má. O desgosto só pode partir de um coração que se tenha generosamente oferecido - não estupidamente, como tantas vezes se pensa.

Visualize na sua mente uma pessoa a fazer a autópsia psicológica de um coração que se protegeu e recusou sempre tudo, passando a sua vida inteira bem resguardado, como o Corvette de 1967. Não terá apenas as artérias endurecidas - esteve sempre emparedado entre desculpas, racionalizações e justificações fundadas em temores. Lembra-se de ver imagens de pulmões de fumadores na escola? O coração fechado é assim - aliás, é pior. Fica negro e decadente, sem nenhum interesse.

Agora, imagine a mesma autópsia feita a um coração que teve uma vida plena! Um coração que se abriu, que criou espaço, que aprendeu a ser verdadeiro, sempre a aumentar a sua capacidade para amar. E, sim, esse coração terá provavelmente passado pelas grandes angústias e sofrimentos por que passa qualquer ser humano que corre riscos. Quem abre o coração e corre o risco de amar os outros acaba sempre, mais cedo ou mais tarde, por sofrer. É um dos contratos que fazemos com a vida. Se colocar o coração na linha da frente, for generoso com o seu amor e souber recebê-lo graciosamente, há de sentir o que de melhor a vida tem para oferecer. É possível que sofra um ou dois desgostos pelo caminho, mas compensa muito.

Retomemos o seu coração imaginário. Gostaria certamente que o sujeito que faz a autópsia dissesse: «Olhem para isto! Este coração amou tão plenamente. Deu mesmo tudo o que tinha para dar. As reservas de amor, gratidão, valorização e afecto estão esgotadas. Mas isso não é tudo. Notem que também recebeu muito amor - e é por isso que parece tão pleno. Se quiséssemos encontrar o amor que daqui partiu, encontrá-lo-íamos nos sorrisos e nas recordações de todas as pessoas que ele tocou e de quem faz agora parte.»

Pode parecer cruel celebrar um coração «esgotado». Mas o coração não é um combustível fóssil. A sua fonte não tem limites. Quanto o mais o usamos, mais amor ele gera e mais dádivas recebemos. Lembre-se de que o coração é um músculo. Quanto mais o trabalhar, mais o fortalecerá." - Ken Druck

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