sexta-feira, 10 de agosto de 2018





"Ao longo da nossa vida, conhecemos milhares de pessoas e, fazendo um cálculo conservador, imaginemos que algumas centenas delas tenham despertado a nossa atenção por serem suficientemente atraentes ou bem-sucedidas. Se reduzíssemos esse universo aplicando a teoria social da troca, chegaríamos a umas cinquenta ou cem pessoas de um grupo restrito de gente com o mesmo número de "pontos" que o nosso, ou superior. Nesta lógica, teríamos de nos ter apaixonado por várias centenas de pessoas. No entanto, a maior parte de nós apenas se sentiu atraída por algumas pessoas ao longo da vida. Conclusão: algo está a escapar a estas teorias.

Eu acredito que o que falta seja justamente o inexplicável, o verdadeiro mistério, a magia.

Porque é, de facto, inexplicável que alguém "perca a cabeça" por outra pessoa, que não possa pensar em mais nada senão no amado, que alguém chore durante semanas à espera de um telefonema de parabéns que não chegou... Estas emoções violentas e irracionais só acontecem quando estamos apaixonados. 

É que estar apaixonado não é amar.

Porque amar é um sentimento e estar apaixonado é, como o próprio nome diz, uma paixão.

As paixões, por definição, são emoções desenfreadas, fortes, absorventes, intensas e fugazes como o disparo de um flash, capazes de produzir temporariamente um estado de ânimo de exaltação e uma alteração da consciência do mundo.

É preciso compreender isto para poder depois distinguir a paixão do amor.

Este caos emocional tem, infelizmente por um lado, mas felizmente por outro, uma duração muito curta: digo infelizmente, porque enquanto estamos apaixonados, apesar de tudo, gostaríamos de permanecer nesse estado fascinante e intenso que se torna a nossa vida, e digo felizmente, porque acredito que as nossas células acabariam por explodir se esse estado se prolongasse para lá de umas quantas semanas.

Quando estamos imersos numa paixão perturbadora, ninguém é capaz de fazer outra coisa que não seja pensar na tal pessoa, recordá-la, estar com ela. Trata-se de um estado fugaz de descentramento (a pessoa acredita que o centro da sua vida é o outro), uma espécie de loucura transitória que, como disse antes, se cura por si e em geral sem deixar sequelas.

Durante o tempo que dura a paixão (dizem os livros que entre os cinco minutos e três meses, não mais), a pessoa vive em função do outro: se telefonou ou não telefonou, se está ou não está, se olhou para mim, se gosta de mim ou se não gosta de mim...

Estar apaixonado é deixar-se enredar num doloroso prazer, o da dissolução do nosso ser no outro.

Se pensássemos a sério nisto, perceberíamos o quanto poderia ser prejudicial à nossa integridade viver neste estado.

A confusão reinante à volta destas condições, juntamente com a perniciosa ideia de fazer delas uma norma, foi e continua a ser a causa de terríveis desencontros nos relacionamentos.

"Já não é como antes...", "As relações com o tempo acabam por se desgastar..." e "Já não estou apaixonado... vou acabar". Estas são algumas das frases que oiço no meu consultório e que leio nas revistas, sustentadas pela ideia de que os casais deveriam continuar apaixonados "como no primeiro dia". É muito bonito imaginar que isso seja possível, e todos gostaríamos de acreditar nisso, mas não é verdade.

O estado ideal de um casal não é o daqueles primeiros meses de paixão, mas sim o que existe durante todo o tempo em que se amam no sentido quotidiano, verdadeiro.

A nível da fantasia, provavelmente gostaria de estar apaixonado pela minha mulher depois de vinte anos, pois a paixão é um estado realmente encantador. No entanto, se eu ainda estivesse apaixonado pela minha mulher, tenho a certeza absoluta de que neste preciso momento não estaria aqui a escrever este livro.

Se eu estivesse apaixonado, isto para mim seria perder o meu tempo.

Se eu estivesse apaixonado pela minha mulher, neste preciso momento não teria vontade nenhuma de estar aqui, porque estaria a pensar em estar lá, em encontrar-me com ela ou, em todo o caso, em escrever-lhe um poema, mas sempre em algo relacionado com ela, porque ela seria o centro da minha vida.

Quando um vínculo começa com a paixão e desemboca no amor, tudo corre bem. De facto, é o melhor que nos pode acontecer.

Mas quando tal não acontece, o desvanecimento da paixão deixa apenas uma sensação de cidade devastada e de ruína emocional, a dor da perda, o buraco da ausência.

E perguntamos: porque acabou? Porque não era verdadeiro? Porque não era suficiente? Porque era mentira?

Não. Acabou simplesmente porque era uma paixão.

Estar apaixonado e amar são duas coisas maravilhosas, mas é preciso não as confundir.

Embora seja verdade que a paixão é uma coisa maravilhosa, é preciso ter a noção de que o amor não é menos maravilhoso. Apesar de não ter a intensidade das paixões, certamente que não, tem uma profundidade que não atingimos quando estamos apaixonados.

É por causa dessa profundidade que o amor é capaz de oferecer estabilidade ao vínculo, à custa do desvanecimento do feitiço e da fascinação. Porque se pode amar com os pés na terra, enquanto a paixão só acontece nas nuvens.

O certo é que, quer queiramos quer não, a paixão acaba. E quando isso acontece, com sorte, volto a centrar-me em mim e posso então permitir que o amor verdadeiro floresça.

A mais bela definição de amor que ouvi na minha vida foi a de Joseph Zinker:

"O amor é o rejúbilo pela simples existência do outro."

A frase evoca um sentido quase supremo do amor, o mais profundo e o mais intenso.

Possível ou não, este será o objectivo mais desejável: amar ao ponto de me alegrar apenas pelo facto de o outro existir.

E não existe um amor apaixonado que possa durar a vida inteira?

No outro dia corrigi uma paciente que me falava sobre o seu noivado e de como estava "perdidamente"apaixonada pelo namorado.

E então eu disse-lhe:

- Que pena que não possa dizer "encontradamente" apaixonada.

O amor apaixonado é o nome que reservo para aqueles vínculos em que nos amamos o bastante para construirmos uma relação, sem deixarmos de ser nós próprios, em que, uma vez ou outra, damos por nós apaixonados pela mesma pessoa com quem vivemos há tantos anos. Encontradamente apaixonados.

Se isto acontece é maravilhoso, mesmo quando esses momentos de paixão não nos acontecem ao mesmo tempo.

Às vezes acontece-me chegar a casa  feliz e sorridente, e a Perla está diferente, mais linda, mais jovem, mais compreensiva. Apercebo-me (por experiência) de que estou apaixonado. E então, com cara de não-sei-o-quê, digo-lhe "Ooooolaaaá...", e ela responde-me "Olá". E eu sei que desta vez não nos aconteceu ao mesmo tempo.

Esta falta de coincidência na paixão não significa que nos rejeitemos um ao outro, mas apenas que o encontro apaixonado não se realiza. Nessa noite, poderemos falar sobre o assunto e talvez até fazer amor, mas não como naquelas outras noites.

Quando temos a surpresa de nos apaixonarmos um pelo outro ao mesmo tempo, é incrível. Durante o tempo que durar (uns dias ou umas duas semanas), sentimos a intensidade da paixão, somada à profundidade do amor. A nossa relação ganha brilho, e nós também. Tudo é fantástico e maravilhoso... E passa. E regressamos encantados ao puro amor, já sem a paixão, mas com as baterias carregadas de desejo até ao próximo romance.

Os reacendimentos ocasionais da paixão constituem a condição para manter a juventude do casal ao longo do caminho comum.

Como é lógico, esses estados de paixão não podem ser programados e, portanto, estar apaixonado ao mesmo tempo que o outro é pura sorte.

Ninguém pode dizer: "Bom, eu tenho férias em tal dia, de modo que vamos apaixonar-nos nessa altura." Não pode ser!

No entanto, é precisamente aí que está a magia.

E por vezes acontece.

Acontece que vamos os dois de férias, fugimos do quotidiano e do mundo, aterramos numa praia longínqua, sozinhos, porque os filhos já são crescidos e foram por sua vez cada um para o seu lado, e, de repente, a química esquecida, dos tempos em que nos apaixonámos um pelo outro, renasce. E voltamos a apaixonar-nos. Como antes, mas diferente, porque somos agora diferentes, embora durante es te tempo nos juntemos os seis: os dois que somos, os que fomos, o sentimento e a paixão.

Quando voltamos de férias, como é óbvio, dizemos: "Ah... acabou!" E deitamos as culpas a Buenos Aires.

Só que não é verdade; acabou porque realmente era bom que acabasse.

Muitas pessoas, especialmente mulheres, dizem-me que era bom que a paixão não acabasse no "regresso das férias", que ela viesse connosco para casa. Eu creio que não. Acho que é preciso deixá-la na Patagónia, em Cancun, onde seja, e viajarmos nós até ela sempre que desejarmos.

Não vivas aqui, a pensar que lindo que era lá; nem fiques a sonhar com o passado e em como era tão maravilhoso o tempo da paixão. Isto que acontece agora, que é amor, é fantástico comparado com o desamor. Por isso, porque estar a compará-lo com o que pertence a outro campeonato?" - Jorge Bucay

quinta-feira, 9 de agosto de 2018





"Qualquer tipo de conflito - físico, psicológico, intelectual - é uma perda de energia. Por favor, é extremamente difícil compreendermos e libertarmo-nos disto, porque a maioria de nós é educada no sentido da luta, do esforço. Quando estamos na escola, é esta a primeira coisa que nos ensinam - a esforçarmo-nos. E essa luta, esse esforço é carregado pela vida fora - ou seja, para se ser bom é preciso lutar, combater o mal, resistir, controlar. Portanto, em termos educacionais, sociológicos, religiosos, os seres humanos são ensinados a lutar. Ensinam-nos que para encontrarmos Deus temos de trabalhar, ser disciplinados, praticar, torturar a nossa alma, a nossa mente, o nosso corpo, negar, suprimir; que não devemos olhar; que devemos lutar, lutar, lutar no assim chamado nível espiritual - que não é de todo o nível espiritual. Então, em termos sociais, está cada um por si, pela sua família.

... Portanto, em todo o lado, estamos a desperdiçar energia. E esse desperdício de energia é, na sua essência, conflito: o conflito entre «devo» e «não devo», «tenho de» e «não tenho de». Uma vez criada a dualidade, torna-se inevitável o conflito. Assim, temos de compreender todo este processo da dualidade - não que não exista o homem e a mulher, o verde e o vermelho, a luz e a escuridão, o alto e o baixo; tudo isso são factos. Mas no esforço que envolve esta divisão entre facto e ideia, ocorre o desperdício de energia." - Jiddu Krishnamurti

quinta-feira, 2 de agosto de 2018





"Se há alguém que deve estar comigo durante todo o tempo, esse alguém sou eu.

Para isso, devo por começar por me aceitar tal como sou; o que não quer dizer que renuncie a mudar ao longo do tempo. Significa antes que devo reformular a minha postura. Perante uma característica minha de que não goste, tenho sempre duas vias para resolver o problema. 

A primeira, a mais comum, é a solução clássica: tentar mudar.

A segunda via, aquela que proponho, é deixar de detestar essa característica e permitir, tão-só, que essa condição se modifique por si mesma. 

Inclusive, se quero mudar algo, é quando deixo de oferecer resistência que a mudança começa realmente a operar. Nunca vou emagrecer se não aceitar que estou gordo.

Segundo a teoria paradoxal da mudança, apenas podemos mudar algo quando deixamos de lutar contra isso.

Se a luta que travo constantemente para ser diferente tem tanto impacto na minha relação comigo próprio, é fácil perceber de que modo a crença de que os outros são obrigados a mudar pode condicionar a relação que estabeleço com eles. 

Uma das aprendizagens a fazer no caminho do encontro é justamente a da aceitação do outro tal como ele é, o que só é possível se antes aprendi a aceitar-me. 

Se me irrito com o outro por ser como é, isso significa que só consigo amá-lo se ele for como eu quero que ele seja. Se a tua amiga não é pontual e tens de esperar sempre por ela uma hora de cada vez que combinam alguma coisa, não te irrites. Quem te obriga a fazê-lo? Quando fico à espera de uma pessoa que não é pontual, é porque eu escolho esperar por ela e não porque ela tenha chegado tarde. Posso responsabilizar o outro pelas minhas próprias decisões?

O teu conceito de pontualidade é teu e eu não o partilho.

Não tens de ser como eu, mas não me peças que eu seja como tu.

Ser adulto significa sermos responsáveis pela vida que levamos, sabermos que as coisas que vivemos são o resultado daquilo que fazemos e, a partir daqui, termos a coragem de nos amarmos a nós próprios, incondicionalmente, por mais egoísta que possa parecer.

Porque é tão difícil aceitar esta ideia do encontro?

Porque vai contra tudo o que nos ensinaram. Aprendemos que se algo é importante para ti, também será importante para mim. Estamos treinados para privilegiar o próximo.

É aí que eu apareço para deitar a casa abaixo e causar escândalo:

Nem pensar! Na realidade, o que eu vejo é mais importante do que aquilo que o outro vê; o meu olhar prevalece sobre o olhar do outro.

Quando explico esta ideia, há sempre alguém que salta indignado: "Isso é egocentrismo!" E eu digo: "Sim, claro que é egocentrismo." Como todas as posições individualistas, esta é uma posição egocêntrica. É individualista, egocêntrica e saudável, as três coisas.

Para que esta ideia do encontro seja interiorizada, é fundamental rever uma outra, a da independência. É certo que elas se confundem, mas é preciso continuarmos a trabalhar.

Tenhamos coragem de ser os protagonistas das nossas vidas. Se cedemos o protagonismo, não há filme.

Quando estamos numa negociação, o outro pode dizer-nos, muito irritado:

"Afinal, só queres fazer o que te convém."

Sim, estou a negociar para fazer o que mais me convém. Que outro motivo teria para negociar?

Se não quisesse dar prioridade a mim próprio, em nome de quem negociaria?

Negocio com o outro porque é impossível fazer tudo o que quero. Se eu pudesse fazê-lo, sem prejudicar o outro, talvez o fizesse. Porque não? 

Posso amar-te e estar disposto a ceder um pouco porque, além de me amar a mim próprio, também te amo. Contudo, entre os dois, não há dúvida nenhuma de que dou preferência a mim mesmo.

Há dois tipos de egoísmo, um que se opõe à solidariedade (de ida) e outro que coincide com a solidariedade (de volta), sendo que este último se pode educar; o mesmo se passa com a moral, que também pode ser educada e cultivada.

Não nascemos já com o gosto pela partilha, nem esta é obrigatória, mas podemos aprender a gostar de partilhar.

A princípio, a música clássica parece que range um pouco nos nossos ouvidos, mas, depois, aprendemos a ouvir Tchaikovsky; em seguida, começamos a assistir a bailados e, se nos entusiasmamos um pouco mais, daí a pouco temos um fraquinho pelo barroco e, quando nos damos conta, estamos a ouvir música sinfónica. Vamos educando o ouvido, mas não deixamos de gostar do que ouvíamos antes, pois estamos num processo de aprendizagem. Este gosto vai crescendo até, talvez, chegar o dia em que, com todo o prazer, estamos a escutar ópera.

Quando não temos o olhar treinado para apreciar a pintura, vemos um quadro famoso e não o compreendemos. Mas tal como se aprende a ouvir música, também se aprende a compreender a pintura. Lemos sobre pintura e aprendemos a olhar.

A moral também se aprende.

Nada pode fazer-me gostar de Goya ou obrigar-me a gostar de Picasso, mas se aprendo sobre pintura, se amadureço, se educo o meu bom gosto, tenho mais possibilidade de apreciar estas coisas e vou poder encontrar aquilo que realmente está lá, extrair-lhe o conteúdo e ter prazer nisso.

Quanto mais me deleito, quanto mais prazer sou capaz de sentir, mais treinado está o meu amor por mim. Se tenho prazer em cuidar de ti, em dar-te coisas, porque não pensar que é a partir dessa busca de prazer que eu vivo e exerço o meu amor por ti?

Não poderia ser de outro modo, pois o amor que tenho provém do amor que sinto por mim.

Temos de ter consciência de que há no mundo pessoas, coisas e factos muito importantes, mas nenhuma pode ser para nós mais importante do que nós mesmos. Quer queiramos ou não, repito, cada um de nós é o centro do mundo em que vive.

Se eu disser num grupo:

- Eu defendo bem as minhas posições porque tenho uma autoestima excelente.

O outro vai dizer:

- Muito bem, quem é o teu terapeuta?

Pelo contrário, se eu disser:

- Eu defendo muito bem as minhas posições porque sou muito egoísta.

O outro vai dizer:

- Estás louco? Muda de terapeuta!

Aposto, do fundo do meu coração em nós. Mas se me obrigares a escolher... entre tu e eu... eu." - Jorge Bucay

quarta-feira, 1 de agosto de 2018





"Tenho calma. Quero ser eu mesmo. Não nego quem sou no aqui e agora. Esta é a nossa prática - chamamos-lhe «ausência de objectivos». Não colocamos uma meta diante de nós mesmos para corrermos atrás dela incessantemente. Se o fizermos, passaremos a nossa vida a correr e nunca seremos felizes. A felicidade só é possível quando paramos de correr e apreciamos o momento presente e quem somos. Quem somos é já em si uma maravilha. Não precisamos de ser nenhuma outra pessoa. Somos uma maravilha da vida." - Thich Nhat Hanh