terça-feira, 13 de setembro de 2016




"Mais de metade de todos os humanos vivem agora em cidades. Então, o habitat natural da nossa espécie é, oficialmente, aço, calçada, candeeiros de rua, arquitectura e empresas - a ordem de trabalhos hominídea.
Com todo o respeito pelas formas maravilhosas que as pessoas inventaram para se divertirem a elas e entre elas em superfícies pavimentadas, considero que este êxodo da terra me torna indescritivelmente triste. Penso nas crianças que nunca irão saber, intuitivamente, que uma flor é a maneira de uma planta fazer amor, ou ao que soa o silêncio, ou que as árvores expiram, ou que nós inspiramos. Penso nos estupefactos filhos do vizinho que se juntaram à volta do meu marido no seu minúsculo jardim nas traseiras, na cidade onde ele vivia há anos, a porem as mãos na boca em puro espanto ao verem-no arrancar cenouras do chão. (Sempre o professor atencioso, deu uma explicação sobre frutos e raízes e perguntou: «Que outros alimentos acham que podem crescer no chão?» Eles franziram o sobrolho, conferenciaram e propuseram alegremente: «Esparguete?») Pergunto-me que significado terá para as pessoas o facto de se esquecerem que a comida, tal como a chuva, não é um produto mas um processo. Pergunto-me como irão imaginar o infinito quando nunca viram a forma como as estrelas preenchem um escuro céu nocturno. Pergunto-me como é que posso explicar que um canto do tordo do bosque me faz doer o peito a uma população para quem a madeira é um material de construção e os sapinhos são uma doença da língua.
O que perdemos com o nosso grande êxodo humano da terra é uma sensação básica, tão profunda e intangível como a fé religiosa, da razão pela qual precisamos de nos agarrar aos lugares selvagens e belos que em tempos nos rodearam. Parecemos sucumbir tão facilmente à prevalecente tendência humana de pavimentar esses sítios, construir subdivisões sobre eles e chamar-lhes Os Salgueiros, ou Poleiro do Peregrino, ou Pasto do Alce, por causa do que quer que seja que tenha sido morto ali. Aparentemente, é difícil para nós, humanos, duvidarmos, nem que seja por um minuto, que este programa de deitar abaixo os nossos edifícios em intervalos regulares sobre toda a extensão do planeta Terra é, de um modo geral, uma boa ideia. Tentar abrandar ou alterar o programa é uma tarefa árdua. 
Barry Lopez diz que se esperamos ter sucesso na tarefa de proteger naturezas que não a nossa, «será necessário que reimaginemos as nossas vidas... irá requerer de muitos de nós uma humanidade que ainda não reunimos e uma graça que não estávamos conscientes de desejar até a termos provado.»
E no entanto, nenhuma tarefa podia ser mais crucial neste momento. Proteger a terra que outrora nos forneceu a nossa génese pode transformar-se na única história verdadeira que existe para nós. A terra ainda fornece a nossa génese, por muito que possamos gostar de esquecer que a nossa comida vem da terra húmida e lamacenta, que o oxigénio nos nossos pulmões estava há pouco tempo dentro de uma folha, e que todos os jornais e livros em que pegamos são feitos a partir dos corações das árvores que morreram pelas nossas vidas imaginadas. Aquilo que tem agora nas mãos, por debaixo destas palavras, é ar e tempo e luz solar consagrados, e, antes de tudo, um lugar. Quer estejamos a deixá-lo ou a chegar a ele, é o aqui que importa, é o lugar. Quer compreendamos ou não onde estamos, é essa a história: Estar aqui ou não estar. O hábito de contar histórias é tão antigo como a nossa necessidade de nos lembrarmos de onde está a água, onde crescem os melhores alimentos, onde encontramos a nossa coragem para a caça. É tão persistente como o nosso desejo de ensinar aos nossos filhos como viver neste lugar que conhecemos há mais tempo do que eles. As nossas maiores e mais pequenas explicações para nós mesmos crescem de um lugar, tão certamente como as cenouras crescem no pó. Estou a presumir isto para vos dizer algo que não pude provar de forma racional mas sim sentir como uma fé religiosa. Não posso acreditar de outra maneira.
Oh, como é que eu posso dizer isto: as pessoas precisam de lugares selvagens. Independentemente de pensarmos que precisamos ou não, nós precisamos. Precisamos de ser capazes de saborear a graça e saber mais uma vez que a desejamos. Precisamos de passar por uma paisagem que seja intemporal, cujo calendário se mova ao passo da evolução das espécies e dos glaciares. De estar rodeados por uma confusão de cantos, acasalamentos e uivos de outras espécies, todas elas amando as suas vidas como nós amamos as nossas e nenhuma delas dando a mínima importância ao nosso estatuto económico ou ao nosso calendário apertado. A vida selvagem coloca-nos no nosso lugar. Recorda-nos que os nossos planos são pequenos e algo absurdos. Recorda-nos a razão pela qual, naqueles casos em que os nossos planos podem influenciar muitas gerações futuras, devemos fazer uma escolha cuidadosa. Olhando para uma tábua lisa do planeta Terra, podemos ser abanados até ao âmago pela possibilidade de olhos de bronze de vidas que não são as nossas." - Barbara Kingsolver

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