quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017





"Era um sábio de tão avançada idade que na localidade onde vivia ninguém fazia ideia de quantos anos tinha. Ele próprio já se tinha esquecido visto que, entre outras razões, já havia transcendido todo e qualquer apego e ambição humana. Transcendera mesmo a noção do tempo. Um dia, sentado sob uma figueira, o olhar fundido com o horizonte e a mente quieta e limpa como um céu sem nuvens, ouviu uns passos ao longe. Dirigindo o olhar, pôde observar como um jovem punha uma corda à volta de um ramo e enlaçava uma das extremidades no pescoço. Rapidamente percebeu quais eram as intenções do jovem e, apesar do seu decrépito corpo, levantou-se de súbito e correu para onde estava o rapaz, rogando-lhe que desistisse do seu propósito.

- Não vejo razão para isso - disse secamente o jovem.

- Tens a eternidade pela frente, amigo, por isso ao menos concede-me dois minutos. Ouve-me.

- Se é só isso... - disse o jovem displicentemente.

Ancião e jovem sentaram-se no chão. Os olhos sossegados do velho cravaram-se nos olhos atormentados do do rapaz. O céu tingira-se de laranja e ouro. E o sábio expressou-se da seguinte maneira:

- Vou pedir-te uma coisa, rapaz. Imagina uma tartaruga, só uma, na imensidão do oceano, e que esta tartaruga só vem à superfície para respirar uma vez num milhão de anos. Agora imagina uma argola a flutuar sobre as águas do descomunal oceano. Ora bem, querido amigo, bem mais difícil do que a tartaruga introduzir a cabeça na argola quando a põe de fora a cada milhão de anos é o teres obtido forma humana. E agora, jovem, procede como achares conveniente.

Ainda hoje contam os aldeões que aquele jovem chegou a velho e se tornou muito sábio.

À margem de se saber se a vida tem ou não um sentido último, o sentido, propósito e significado da existência é o que cada um sabe dar-lhe a cada momento. Olhamos para tão longe que não vemos o que temos ao lado. Cada instante conta e podemos enchê-lo de plenitude, e podemos até aprender a elevar o rotineiro ao plano do sublime. Visto que todos fazemos parte deste mistério prodigioso e por vezes, é certo, pavoroso, que é o da existência, há que dar valor a cada momento para encontrar o seu próprio peso específico e convertê-lo num instrumento para a sua concretização." - Ramiro Calle

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