segunda-feira, 3 de abril de 2017



"Mudei-me recentemente de uma grande para uma pequena cidade. Abandonei a grande metrópole como um toxicodependente que deixa a droga, pois por vezes a única maneira de nos mantermos vivos, de mudar, de crescer, é indo embora. Tudo se tornara saturado de tudo o resto, tudo me recordava um eu que já não me interessava. O carácter, disse Aristóteles, é o comportamento habitual e a grande metrópole tornara-se o cenário e a sustentação de uma série de hábitos, para uma personagem que eu já não queria prolongar. Por isso, pus-me a andar. Quando a rede social se transforma numa teia confinante, então chega a altura de a cortar e de se pôr a mexer. Claro que mantive algumas ligações, enquanto outras se atenuaram e murcharam. Formaram-se novas. Por isso, mudei: enquanto um mundo acabava e outro começava, mudei. O grau da mudança poderia ser medido pelo número de laços que mantive e o número de novos laços que formei. Para cumprir de facto a distância, para realmente me transformar, poderia ter feito algo deste género:

O sannyasa é uma forma de ser, uma forma de morrer para o mundo e para a sociedade. O sannyasin {...} deixa de ser um membro da sociedade e situa-se fora do seu enquadramento, não tendo praticamente nada que ver com as suas leis sociais, os seus ritos, os seus rituais, os seus sacramentos, etc. O sannyasin renuncia à casta, à família e adopta um novo nome, que significa o renascimento. 

O suicídio simbólico é outra forma de ver esta modificação, para exprimir a ideia de que, por vezes, para acabar com o eu, para matar o eu, tudo o que é preciso é retirarmo-nos da rede de associações que actualmente nos definem. Eu não fui tão longe e poucos o fazem. Mas o eu de uma temporada terminou e começou outro. 

Estas são as muitas formas pelas quais o mundo pode acabar. O desejo ou o aborrecimento poderão impelir-nos para fora dele. No conjunto, porém, o nosso impulso é para nos mantermos. Os nossos hábitos e rotinas estão encerrados e fixados no nosso interior e no interior de um mundo familiar de pessoas, lugares e coisas, salas e adereços. Colectivamente, fazem-nos saber quem somos: lembram-se para nós não termos de o fazer. Poucos de nós desejam deliberadamente embarcar num corte biográfico, na amputação simbólica, ou no total suicídio simbólico, no sannyasa, que resultaria da mudança de partes importantes do nosso mundo. Claro que podemos cortar aqui e ali - perder algumas características, mesmo talvez mudar de local - mas os temas centrais tendem a não estar prontos para serem rescritos durante grandes períodos de tempo. Tendemos a querer manter-nos dentro dos lugares comuns, conspirando com os nossos familiares acerca de coisas familiares, onde o nosso mundo faz sentido e onde as pessoas sabem o nosso nome.

Mesmo assim, a mudança virá. Poderá começar como um rumor distante, um ruído vindo de fora do nosso pequeno mundo, ou uma intrusão inesperada dentro dele, uma invasão, assinalando a existência de outro mundo. Poderá ser uma intimação, ou uma sentença de morte, ou um chamamento ou uma oferta, uma vitória ou uma derrota, uma catástrofe ou uma epifania, ou meramente uma cadeia acumulada de pequenos acontecimentos. Mais tarde ou mais cedo, contudo, o seu actual mundo mudará, a actual temporada terminará.

Ninguém disse que iria ser fácil." - Vincent Deary

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