domingo, 30 de abril de 2017





"A vida pode ser cheia de dor, sofrimento e dificuldades, mas todas estas experiências são oportunidades que nos são entregues para nos ajudar a avançar no sentido de uma aceitação emocional da morte. Só quando acreditamos que as coisas são permanentes é que nos privamos da possibilidade de aprender com a mudança.

Se nos isolarmos desta possibilidade, tornamo-nos fechados e acabamos dominados pelo apego, que é a fonte de todos os nossos problemas. Uma vez que a impermanência é para nós sinónimo de angústia, agarramo-nos desesperadamente às coisas, apesar de tudo mudar. Sentimo-nos aterrorizados por as largar, aterrorizados, de facto, por sequer viver, na medida em que aprender a viver é aprender a abandonar. E esta é a tragédia e a ironia da nossa luta pela permanência: não só é impossível como acarreta precisamente a dor que pretendemos evitar.

A intenção que está por detrás do apego pode não ser má por si só; não há nada de errado com o desejo de ser feliz, mas aquilo a que nos agarramos é falível por natureza. Os tibetanos dizem que não se pode lavar a mesma mão suja duas vezes na mesma água corrente de um rio e que, «por mais que apertemos uma mão-cheia de areia, nunca conseguiremos extrair óleo dela».

Interiorizar de facto a impermanência é libertarmo-nos gradualmente da ideia de apego, da nossa visão incorrecta e destrutiva da permanência, da falsa paixão pela segurança sobre a qual construímos tudo. A pouco e pouco, apercebemo-nos de que todo o sofrimento que atravessámos por nos agarrarmos a algo que não podemos conservar foi, no sentido mais profundo, desnecessário. Inicialmente, isto pode também ser difícil de aceitar, porque nos parece tão estranho. Mas á medida que reflectimos, e que continuamos a reflectir, o nosso coração e a nossa mente passam por uma transformação gradual. O desapego começa a parecer-nos mais natural e torna-se cada vez mais fácil. Pode demorar bastante tempo até nos darmos conta da extensão da nossa insensatez, mas quanto mais reflectimos, mais desenvolvemos a visão de nos desprendermos; é nessa altura que ocorre uma mudança no modo como encaramos tudo. Contemplar a impermanência por si só não é suficiente: tem de lidar com ela na sua vida. Tal como os estudos médicos exigem tanto a teoria como a prática, a vida também é assim; e na vida o treino prático é aqui, é agora, no laboratório da mudança. À medida que as mudanças ocorrem, aprendemos a encará-las com uma nova compreensão; e embora continuem a acontecer tal como antes, algo em nós será diferente. Toda a situação será agora mais descontraída, menos intensa e dolorosa; e até mesmo o impacto das mudanças que atravessamos nos parecerá menos impressionante. Com cada mudança sucessiva, compreendemos um pouco mais, e a nossa perspectiva sobre a vida torna-se mais profunda e mais ampla." - Sogyal Rinpoche

sábado, 29 de abril de 2017





"Devido ao nosso egocentrismo ou à exagerada preocupação por nós mesmos, não temos a capacidade nem a sensibilidade necessárias para nos apercebermos de que os nossos desejos e ansiedades não são iguais aos dos outros, e, portanto, não sabemos descobri-los nem pormo-nos na sua pele. Cada pessoa é um universo interior com as suas alegrias e os seus medos. Mas não temos que pressupor que os nossos são os dos outros, nem podemos deixar que estes nos impeçam de ter uma visão mais imparcial e maior sensibilidade para captar as alegrias e tristezas alheias, quando forem alegrias, para nos alegrarmos, e quando forem tristezas, para tentar aliviá-las." - Ramiro Calle

sexta-feira, 28 de abril de 2017






"um dia, quando a ternura for a única regra da manhã,

acordarei entre os teus braços. a tua pele será talvez demasiado bela.

e a luz compreenderá a impossível compreensão do amor.

um dia, quando a chuva secar na memória, quando o inverno for

tão distante, quando o frio responder devagar com a voz arrastada

de um velho, estarei contigo e cantarão pássaros no parapeito da

nossa janela. sim, cantarão pássaros, haverá flores, mas nada disso

será culpa minha, porque eu acordarei nos teus braços e não direi

nem uma palavra, nem o princípio de uma palavra, para não estragar

a perfeição da felicidade." - José Luís Peixoto

quinta-feira, 27 de abril de 2017






"As coisas maiores da vida não são construídas por nós - nascem em nós, que é bem diferente. Porque não temos qualquer tipo de controlo sobre elas. É assim na família, nos amores, ou até nas coisas mais banais, como os sabores que nos prendem. Em todas estas coisas que sentimos, que temos prazer, carinho ou vontade, nunca há uma acção nossa para que começassem a ser sentidas. Pelo contrário, é algo que vem de dentro, algures por ali, entre a alma, o coração e a capacidade de absorver a vida."

quarta-feira, 26 de abril de 2017





"Se o primeiro passo consiste em nos conhecermos, o seguinte deveria ser, sem dúvida, aquilo que o acompanha necessariamente, ou seja, a liberdade.

Digo permitir-se ser livre e não conseguir sê-lo, porque me refiro ao processo interno de autonomia e não ao conceito vulgar e errado que consiste em acreditar que a liberdade é sinónimo de «podermos fazer o que nos apetecer». É muito importante estabelecer esta diferença porque esta definição corresponde à omnipotência e não à liberdade. A primeira é sobre-humana e não existe; enquanto a segunda é possível, desejável e real. Pode, por vezes, parecer que nos agrada ou nos convém confundir estes dois conceitos, possivelmente para justificar perante nós próprios o nosso «medo da liberdade». 

A liberdade, tal como a entendo e a proponho, consiste nada mais (nada menos) do que na possibilidade ou no direito que todos temos de escolher uma (e por vezes mais do que uma) das alternativas que se nos apresentam em determinado momento.

A liberdade é a capacidade de escolher dentro do que é possível. 

Esta liberdade inclui e necessita, naturalmente, da minha honestidade em não classificar como impossível aquilo que o não é, para negar apenas que colocara de parte todas as outras opções a favor dos meus princípios, devido aos meus medos ou conveniências.

A consequência de darmos este passo em direcção à nossa liberdade consiste também em aceitar que algumas situações em que não podemos escolher são, na realidade, produto de uma escolha prévia. Contudo, parece demasiado tentador para muitos de nós afirmar que não poderíamos agir de outro modo, minimizando assim a nossa responsabilidade em consequência da escolha que fizemos.

Declararmo-nos livres significa darmos um passo em direcção à nossa completa autonomia, assumirmos a responsabilidade pelas nossas decisões, mesmo que nos apercebamos hoje de que nos enganámos, aceitarmos que era possível fazer tudo ao contrário, apesar de não o termos feito, admitirmos que, na verdade, outros o fizeram, ainda que continuemos a achar mais lógico termos feito o que fizemos.

Poucos de nós se dedicam a pensar e a ensinar os mecanismos que relacionam a nossa vida quotidiana com o desejo de ter uma maior qualidade de vida. O desafio de viver mais e melhor exige, entre muitas outras coisas, uma quantidade apreciável de coragem.

É necessário ter coragem e solidez para fazer face ao preço que quase sempre a sociedade nos quer cobrar pela ousadia de a enfrentarmos, pelo atrevimento de nos declararmos livres de decidir por nós próprios, pelo desplante de ignorarmos a inviolabilidade das suas regras ou pela insolência de pedirmos explicações pelas atitudes tomadas pelos mais poderosos.

Podemos e devemos atrever-nos a perguntar, protestar e questionar, mesmo quando estamos em minoria, os caprichos de uns ou as injustiças de muitos; talvez com a única restrição de pensar que essa liberdade deve ser exercida num estado de direito, que a nossa forma de protesto ou de rebeldia não deve ser concebida para destruir aqueles que pensam de maneira diferente, mas sim com o intuito de nos juntarmos todos na edificação de um mundo melhor.

Como acontece em relação a tudo, os problemas começam nas pequenas questões.

Na nossa vida quotidiana, todos nós passámos, e continuamos a passar, por momentos em que, sem termos grande consciência desse facto, decidimos renunciar a algumas liberdades.

Quanto me custa - pensamos por vezes - renunciar à minha escolha?

De qualquer maneira - dizemos para nós próprios -, é um assunto tão pouco importante.

Porque haveremos de fazer disso um problema? - argumentamos por fim. - Além de ser certamente um assunto sem importância, não deixará de ser momentâneo.

E respiramos fundo antes de dar a questão por encerrada, conformando-nos em renunciar ao nosso caminho, convencidos de que a luta pela liberdade é a batalha das grandes coisas e não das ninharias.

Contudo, estas ideias são muitas vezes o disfarce que esconde a falta de energia que colocamos na defesa das nossas liberdades.

É importante sermos capazes de nos desapegar de algumas atitudes, pretensões e caprichos, mas é preciso temer as «pequenas» renúncias quando estas não são escolhas feitas com o coração, com consciência e com responsabilidade.

É necessário recordar que a liberdade é demasiado importante para renunciarmos a ela nem que seja por um breve momento. O desafio pode parecer quase heróico, mas estou absolutamente convencido de que todos nós somos capazes de mostrar essa quota-parte de ousadia salutar.

Para alguns pensadores o que define a passagem de indivíduo a Pessoa Adulta é justamente a liberdade, a capacidade de optar entre duas ou mais possibilidades e a responsabilidade que deve ser assumida depois de cada decisão tomada. E se por vezes não podemos escolher os acontecimentos, temos certamente a capacidade de escolher como agir face aos mesmos.

Dizia Octavio Paz que a liberdade é simplesmente a diferença entre os monossílabos «Sim» e «Não».

É o direito que me outorgo de escolher uma ou outra resposta que me torna livre ou escravo (e não o alto preço que, com frequência, temos de pagar pelas escolhas que fazemos).

Dar este passo será uma forma de decidirmos enfrentar a nossa vida com absoluto protagonismo, com responsabilidade sobre tudo o que nos sucede, compreendendo os factos e os acontecimentos da vida como sendo uma consequência desejada ou não de algumas das decisões que tomámos.

Sou responsável pelas decisões que tomo, por isso sou livre de ficar ou de sair, de dizer ou de calar, de insistir ou de desistir, de correr os riscos que entender e de sair pelo mundo em busca daquilo que necessito." - Jorge Bucay

terça-feira, 25 de abril de 2017





"Só uma coisa é necessária: a solidão.

A grande solidão interior.

Entrar em si mesmo

E durante horas não encontrar ninguém

É a isso que se deve chegar.

Estar só, como a criança está só..." - Rainer Maria Rilke

segunda-feira, 24 de abril de 2017





"O homem não atrai aquilo que quer, mas aquilo que é. Os seus caprichos, fantasias e ambições frustram-se a cada passo, mas os seus pensamentos e desejos mais profundos alimentam-se a si mesmos, sejam eles sujos ou limpos. A perfeição que nos dá forma está dentro de nós, é o nosso verdadeiro eu. Somente o homem se pode aprisionar a si mesmo. 

Pensamento e acção podem ser carcereiros do destino, e aprisionam, se forem mesquinhos, mas podem ser também anjos da liberdade, que libertam, se forem nobres." - James Allen

domingo, 23 de abril de 2017





"O que é a nossa vida senão esta dança de formas transitórias? Não está sempre tudo a mudar: as folhas das árvores no parque, a luz no seu quarto enquanto lê, as estações do ano, o clima, a altura do dia, as pessoas que se cruzam consigo na rua? E em relação a nós? Tudo o que fizemos no passado não parece agora um sonho? Os amigos com quem crescemos, os fantasmas da nossa infância, os pontos de vista e opiniões que antes defendíamos com tanta convicção: deixámos tudo isso para trás. 

As células do nosso corpo estão a morrer, os neurónios do nosso cérebro estão a degradar-se, até mesmo a expressão do nosso rosto está sempre a mudar, consoante a nossa disposição. Aquilo que chamamos traços principais da nossa personalidade não passam de uma «corrente mental», nada mais. Hoje sentimo-nos bem-dispostos porque as coisas estão a correr bem; amanhã sentimos o contrário. Para onde foi aquela sensação agradável? Novas influências moldam-nos à medida que as circunstâncias se alteram: somos impermanentes, as influências são impermanentes e não há nada sólido nem duradouro em lado nenhum que possamos apontar.

O que pode  ser mais imprevisível do que os nossos pensamentos e emoções: faz alguma ideia do que vai pensar ou sentir a seguir? Na verdade, a nossa mente é tão vazia, tão impermanente e tão transitória como um sonho. Observe um pensamento: ele surge, fica e depois desaparece. O passado já passou, o futuro ainda não surgiu e até o pensamento presente, à medida que o experimentamos, se torna passado.

A única coisa que temos realmente é o momento presente, é o agora.

Faça a si próprio estas duas questões: Lembro-me a cada instante de que estou a morrer, tal como toda a gente e tudo o resto, e por conseguinte trato sempre todos os seres com compaixão? Será que a minha compreensão da morte e da impermanência se tornou tão refinada e tão urgente que dedico cada segundo à busca da iluminação? Se for capaz de responder "sim" a ambas as questões, então compreendeu verdadeiramente a impermanência." - Sogyal Rinpoche 

sábado, 22 de abril de 2017






"Frequentemente extraviamo-nos em interpretações ou percepções distorcidas. Deste modo, sofremos desnecessariamente e alimentamos muitos temores imaginários. Muitas vezes, a melhor maneira de superar os temores é enfrentá-los, mas é preciso aprender a viver com eles e agir apesar dos mesmos, visto que não há ser humano que não tenha medos." - Ramiro Calle

sexta-feira, 21 de abril de 2017





"Conhecermo-nos constitui o primeiro passo a dar, se quisermos deixar de pedir aos outros que observem as nossas vidas.

Conhecermo-nos consiste em reservarmos tempo para olharmos para dentro de nós, para nos ligarmos àquilo em que acreditamos, em que pensamos, que sentimos e que somos, independentemente do que agradaria aos outros.

Conhecermo-nos é começar pelo princípio. Pela primeira daquelas três perguntas existenciais que acompanham o Homem desde tempos imemoriais e que surgiram em todas e em cada uma das culturas ancestrais:

Quem sou? 

Onde vou?

Com quem?

Se não começarmos por nos conhecer, será impossível sabermos quem somos, reconhecermo-nos nos nossos actos e assumirmos a responsabilidade por cada um deles. Nunca saberemos com clareza qual é o limite entre o interior e o exterior.

Se nos desejamos verdadeiramente conhecer, devemos aprender a olhar-nos com coragem, decidindo simplesmente ser, mesmo correndo o risco de nos perdermos por um momento.

Só deste modo conseguiremos que apenas o interior nos defina. Uma tarefa por si só difícil, sobretudo se tentarmos realizá-la sem nos afastarmos dos outros, sem renunciarmos aos seus grupos sociais, familiares ou laborais. Que fique claro que isso não significa ignorar as outras pessoas nem escusarmo-nos a ouvir as suas opiniões, entre outras coisas, porque reconheço que necessitamos do seu olhar para completarmos a nossa percepção de nós próprios, para vermos todos os aspectos situados em pontos cegos ao nosso olhar. Mas significa, isso sim, não nos condenarmos a andar pelo mundo perguntando aos outros quem somos ou como deveríamos ser.

Mas não deveríamos nós colocar a vertente social antes da individual?

Actualmente, e correndo o risco de ser acusado de individualismo, continuo a defender que seria muito benéfico para o bem-estar comum se cada pessoa começasse  por se ocupar do seu próprio desenvolvimento, mesmo que o fizesse apenas para ajudar o próximo da maneira mais adequada, justa e eficaz possível." - Jorge Bucay

quinta-feira, 20 de abril de 2017





"Procuramos sempre lançar uma ponte entre o que é

e o que deveria ser;

E, precisamente com isso, damos origem a um estado

de contradição e conflito, no qual se perdem todas as 

energias." - Jiddu Krishnamurti

quarta-feira, 19 de abril de 2017





"há dias em que não me apetece falar-te de prazer

em que não me apetece dizer-te que te desejo e que te quero

há dias em que não procuro saciar a loucura que despertas em mim

nem render-me aos desvarios dos sentidos

há dias em que apenas me apetece dizer-te que me abraces

que quero sentir o teu corpo junto ao meu

há dias em que apenas quero sentir o carinho dos teus braços

o calor da tua boca, o brilho do teu olhar

há dias... como hoje..." 

terça-feira, 18 de abril de 2017





"Cada homem está onde está pela lei do seu próprio ser. Os pensamentos que edificou no seu carácter trouxeram-no até ali, e aquilo que a sua vida é não é fruto do acaso, mas sim o resultado de uma lei que nunca pode falhar. Isto é assim tanto para aqueles que se sentem descontentes com o ambiente em que vivem como para os que estão satisfeitos com ele.

Como ser em crescimento e em evolução permanente, o homem está onde está para que possa aprender e crescer. Ao aprender a lição que cada circunstância lhe oferece, esta termina e dá lugar a outra.

Que as circunstâncias brotam do pensamento, é sabido por quem quer que tenha por algum tempo praticado autocontrolo e autopurificação, pois terá notado que a alteração das suas circunstâncias dá-se na mesma medida da sua condição mental.

Isto é tão verdadeiro que, quando o homem se dedica honestamente ao trabalho de resolver os defeitos do seu carácter e faz progressos ágeis e concretos, passa rapidamente por uma série de mudanças. A alma atrai aquilo que alberga secretamente, aquilo que ama e também aquilo de que tem medo, atinge o topo das suas aspirações mais elevadas, desce ao nível dos seus piores desejos - e as circunstâncias são o meio pelo qual a alma recebe aquilo que é seu.

Cada pensamento semeado ou largado na mente e que tenha criado raízes acaba por brotar, florescendo mais cedo ou mais tarde em acções que trazem os seus próprios frutos de oportunidade e circunstâncias. Bons pensamentos trazem bons frutos; maus pensamentos trazem maus frutos." - James Allen

segunda-feira, 17 de abril de 2017





"Encarar a vida com seriedade não implica estar sempre a meditar como se vivêssemos nas montanhas dos Himalaias ou no Tibete de outros tempos. No mundo moderno, temos de trabalhar e ganhar a vida, mas não nos podemos emaranhar numa existência das nove às cinco, onde vivemos sem qualquer noção do significado mais profundo da vida. O nosso desígnio é alcançar um equilíbrio, encontrar um meio-termo, aprender a não nos sobrecarregarmos com actividades e preocupações supérfluas, mas a simplificarmos cada  vez mais a nossa vida. A chave para encontrar um equilíbrio feliz na vida moderna é a simplicidade.

No budismo, isto é o que significa precisamente a disciplina. Em tibetano, o termo usado para disciplina é tsul trim. Tsul significa «apropriado ou justo» e trim significa «regra» ou «caminho». Assim sendo, a disciplina é fazer o que é apropriado ou justo; ou seja, numa época excessivamente complicada, devemos simplificar a nossa vida.

A paz de espírito surge a partir disto. Terá mais tempo para se dedicar à espiritualidade e também o conhecimento que só a verdade espiritual consegue proporcionar, ajudando-o a enfrentar a morte.

O que quer que tenhamos feito da nossa vida torna-nos aquilo que somos quando morremos. E tudo, absolutamente tudo, conta." - Sogyal Rinpoche

domingo, 16 de abril de 2017






"O pensamento ocupa um lugar e exerce uma função mas, da mesma maneira que um comboio nos pode levar até à beira-mar, mas não mais além, o mesmo sucede com o pensamento. É limitado e não omnipotente. Muitas vezes na vida, é preciso servirmo-nos do pensamento, mas noutras, o importante e essencial é estar atento, perceptivo, com a mente silente e o ânimo receptivo. Se for preciso pensar, pensa-se. Mas a vida não se pode solidificar reduzindo-a a conceitos, abstracções e etiquetas." - Ramiro calle

sábado, 15 de abril de 2017





"A experiência de desfrutar do mundo é incomensuravelmente melhorada quando, além de conhecermos pessoas que pensam, se parecem, falam e vestem de forma diferente de nós, temos ainda de depender delas." - Michael Palin

sexta-feira, 14 de abril de 2017






"No meu entender, o utilitário virtual, mais corrosivo para os casais é o Facebook. Gerador de uma proximidade virtual, muito artificial, tornou-se numa forma de conhecer pessoas, conversar com amigos, partilhar intimidades, reencontrar antigos namorados, ter o sentimento de que o mundo está ao alcance de uma tecla do computador, do iPad ou do telefone.

É uma banalidade dizer que os casais passam fases de menor proximidade. Acontece sempre e pelas mais variadas razões: desde as rotinas familiares e profissionais até às mais complexas crises afectivas. Estes períodos de maior afastamento são mais ou menos bem tolerados por cada um, mas há quase sempre mais queixas de um lado do que do outro. Todos temos necessidade de intimidade, de nos fazermos ouvir e compreender. O Facebook cria muito rapidamente a ilusão de intimidade e até de encontro de alma gémea. 

A virtualidade tem muitas vantagens, a maior das quais a facilidade com que se comunica e quebra o isolamento de pessoas que sem este recurso ficariam timidamente fechadas na sua concha. Mas a desinibição rápida e fácil que a Rede permite pode levar alguns a envolverem-se em relações que estão para além das suas capacidades emocionais." - José Gameiro

quinta-feira, 13 de abril de 2017





"A maior parte de nós vive assim: vivemos de acordo com um plano predeterminado. Passamos a juventude a estudar, depois arranjamos trabalho e encontramos alguém com quem casamos e temos filhos. Compramos uma casa, tentamos ser bem-sucedidos na nossa profissão, tentamos concretizar o sonho de comprar uma casa de campo ou um segundo carro, vamos de férias com os nossos amigos e planeamos a reforma. Os maiores dilemas que alguns de nós alguma vez terão de enfrentar são onde passar as próximas férias ou quem convidar para passar o Natal connosco. A nossa vida é monótona, insignificante e repetitiva, desperdiçada na busca do trivial, porque parece que não conhecemos nada melhor.

O ritmo da nossa vida é tão febril que a última coisa em que temos tempo para pensar é na morte. Suprimimos os nossos medos secretos da impermanência ao rodear-nos de cada vez mais bens, mais coisas, mais conforto, apenas para descobrir que nos tornámos seus escravos. Todo o nosso tempo e energia são gastos simplesmente a mantê-los. O nosso único objectivo na vida torna-se somente manter tudo tão seguro e garantido quanto possível. Quando as mudanças acontecem, encontramos o remédio mais rápido, uma solução qualquer hábil e temporária. E é assim que a nossa vida continua a andar à deriva, a não ser que uma doença grave ou um desastre nos sacuda do nosso torpor. 

Nem sequer passamos grande tempo a contemplar esta vida. Pense nas pessoas que trabalham durante anos e depois têm de se reformar, apenas para descobrirem que não sabem o que fazer consigo próprias enquanto envelhecem e se aproximam da morte. Apesar de todo o nosso diálogo sobre ser prático, no Ocidente isto significa ser ignorante e frequentemente implica pensar de um modo limitado e egoísta. A nossa concentração míope unicamente nesta vida é a grande desilusão, a fonte do materialismo inóspito e destrutivo do mundo contemporâneo. Ninguém fala sobre a morte nem ninguém fala sobre a vida depois da morte, porque as pessoas são levadas a acreditar que tais discussões apenas podem impedir o que designamos como «progresso» do mundo.

No entanto, se o nosso desejo mais profundo é verdadeiramente viver e continuar a viver, porque é que insistimos cegamente que a morte é o fim? Porque não procuramos ao menos explorar a possibilidade de que talvez possa existir uma vida depois desta? Se somos tão pragmáticos como reinvindicamos, por que motivo não nos interrogamos seriamente: Onde está o nosso verdadeiro futuro? Afinal, ninguém vive mais de cem anos. E depois disso estende-se toda a eternidade, inconsiderada..." - Sogyal Rinpoche

quarta-feira, 12 de abril de 2017





"Durante muitos anos da sua vida, Buda dedicou-se a percorrer cidades, povoações e aldeias partilhando os seus ensinamentos com infinita compaixão. Mas em todo o lado há gente avessa e atrevida. Por vezes havia até pessoas que o encaravam e lhe proferiam todo o tipo de insultos. Buda jamais perdia o sorriso e mantinha um semblante de imperturbável serenidade. De tal maneira conservava a serenidade e a expressão de quietude no rosto que, um dia, os seus próprios discípulos, surpreendidos, lhe perguntaram:

- Senhor, como pode manter-se tão sereno perante os insultos?

- Eles insultam-me, mas eu não recebo o insulto - retorquiu Buda.

O nosso ego deixa-se afectar em demasia pela desconsideração, elogios e menosprezos dos outros. É a condição do ego: querer afirmar-se, temer a rejeição ou a desqualificação, precisar da aprovação e da adulação. Mas não há ninguém que agrade a todos; mesmo Buda, ou Jesus, ou Mahavira, ou Zoroastro, ou Lao-Tsé agradavam a uns e desagradavam a outros. Quando o ego recebe o insulto não lhe basta ressentir-se no momento, ainda arrasta aquele insulto durante dias, ou meses, ou anos. Tal é a reacção neurótica da mente. Alguém te insulta um dia e depois continuas a sentir-te vexado, ferido, vingativo... relembrando o insulto incessantemente. Essa é a especialidade da mente neurótica: acrescentar sofrimento ao sofrimento e cismar nos pensamentos miseráveis e pouco proveitosos." - Ramiro Calle 

terça-feira, 11 de abril de 2017





"Tendo recebido as nossas convocatórias, tendo ouvido o nosso chamamento, as grandes ou terríveis ou meramente desagradáveis notícias, precisamos de começar a tornarmo-nos, a sermos outros. Algo tão complexo como você ou eu não muda facilmente. Instalamo-nos nas nossas formas de ser, confortavelmente, acostumadamente. É isto que faz a vida quotidiana funcionar: a que ponto conseguimos ser bons a ficarmos confortáveis. Mas o chamamento para a mudança surgiu e uma nova acomodação, uma nova relação com as nossas circunstâncias, precisa de ser negociada. É preciso adquirir novos hábitos e abandonar os antigos. Vimos como somos e contámos as formas em que nos instalámos. Agora, temos de começar a separar-nos delas e a estabelecer novas. Agora começa o trabalho, o drama.

É isso que todos nós faremos. Tornar-nos-emos naquilo que fizermos repetidamente. Portanto, tenhamos cuidado com aquilo que iniciamos." - Vincent Deary

segunda-feira, 10 de abril de 2017





"Por muito que nos custe aceitar a pergunta, e mais ainda partilhá-la com o outro, convém fazê-la de vez em quando: «Serei eu feliz sem essa pessoa?»

Com todo o risco das perguntas ficcionais, a resposta dá-nos um bom indicador do estado da nossa felicidade. Felicidade e dependência são coisas distintas: «Eu vivo melhor contigo se te fores embora. Sofro, fico triste, mas volto ao que era, e a vida continua.»

A tristeza persistente pode fazer passar a euforia pela paixão, mas voltará sempre a infelicidade, se não for resolvida. Nenhuma relação trata uma pessoa. A melancolia regressa complicada pela raiva do abandono. Não diria, como Sartre, que o inferno são os outros, mas estes nem sempre são o céu.

Iremos continuar à procura do amor ideal, eterno, indestrutível, que aguente tudo com um sorriso de orelha a orelha. Alguém a quem possamos afirmar «sem ti, a vida não faz sentido». Até que um dia dizemos ou ouvimos «contigo, a vida não faz sentido».

Mas a felicidade não passa por nada disso. Bem podemos ficar sentados à espera que nos façam felizes, se não formos capazes de juntar tudo o que de bom sentimos e fazer disso um escudo protector para o que não controlamos. Amor e felicidade tocam-se, cruzam-se, lutam, podem ser amigos, mas têm vidas separadas. A felicidade é estarmos à altura do que nos acontece, ninguém o pode fazer por nós." - José Gameiro

domingo, 9 de abril de 2017







"Não existe lugar nenhum na Terra onde a morte não nos consiga encontrar - mesmo se virarmos constantemente a cabeça em todas as direcções, como numa terra insegura e suspeita... Se houvesse alguma maneira de nos protegermos contra os golpes da morte - não sou homem para recuar perante ela... Mas é uma loucura pensar que se pode ser bem-sucedido...

Os homens vão e vêm, correm e dançam, sem uma única palavra a respeito da morte. Está sempre tudo bem. Mas quando a morte chega de facto - a eles, às suas mulheres, filhos ou amigos -, apanhando-os distraídos e desprevenidos, então que tempestades de paixão os assolam, que gritos, que fúria, que desespero!...

Para começar a privar a morte da sua maior vantagem em relação a nós, adoptemos um caminho diametralmente oposto ao habitual; destituamos a morte da sua estranheza, convivamos com ela, habituemo-nos a ela; que nada mais ocupe o nosso espírito senão a morte... Não sabemos onde ela nos aguarda: portanto esperemos por ela em todo o lado. Praticar a morte é praticar a liberdade. Um homem que tenha aprendido a morrer, desaprendeu como ser escravo." - Montaigne

sábado, 8 de abril de 2017





"O pensamento tem um grande poder e condiciona-nos para o bem e para o mal. Se pensar positivamente exige o mesmo esforço do que pensar negativamente, porquê essa tendência para os pensamentos negativos? A mente, ao estar condicionada pela memória, tem medo que o sofrimento se repita e isso provoca pensamentos dolorosos e inúteis, em vez de nos permitir desfrutar e apreciar o que se tem em cada momento, mesmo aquelas pequenas coisas que são realmente as maiores. O pensamento é tão condicionante que se uma pessoa pensa que está arruinada, mesmo que seja muito rica, viverá o desalento daquele que se arruína; e se pensa que está doente, mesmo estando sã, viverá e sentirá como uma doente." - Ramiro Calle

sexta-feira, 7 de abril de 2017






"Todos os dias, para toda a gente, há um diálogo entre o conforto e o desconforto. A cada momento de cada dia, o Automático esforça-se por mantê-lo nos muitos estreitos parâmetros dentro dos quais a vida humana é viável e confortável. Há uma miríade de minúsculos ajustamentos a ocorrerem neste momento, desde o metabolismo ao comportamento, tudo a trabalhar esforçadamente para permanecer na mesma. O neurocientista António Damásio chama a este conjunto de mecanismos interdependentes a «máquina homestática».

Ficar na mesma é um processo constante e dinâmico. Estamos num perpétuo diálogo activo com a mudança, sempre em transição, sempre num estado de «já foi» ou «está prestes a ser», sempre a tentarmos estar bem connosco. Sendo sistemas complexos, há sempre um intervalo no ajustamento quando tentamos ir ao encontro das circunstâncias constantemente mutáveis, modulando o estado em que nos encontramos em determinada altura. Por muito confortáveis que nos consigamos sentir, teremos de nos esforçar para permanecer assim: as luzes tornar-se-ão mais fracas, ou a temperatura baixará, ou ficaremos com fome ou cansados, irrequietos ou aborrecidos; algo exigirá um ajustamento para você poder continuar confortável e terá de mudar para ficar na mesma. 

Há sempre um período de ajustamento, de resistência à mudança vindoura. E não é só pelas nossas antecipações, receios e desejos: com as nossas histórias acerca de como deveríamos ser criamos o fosso entre o sítio em que nos encontramos e onde desejaríamos estar, ou pensamos que deveríamos estar. Tornamo-nos desconfortáveis para nós mesmos. Os nossos desejos de estarmos noutro sítio produzem uma ânsia ou uma fadiga, ao pensarmos em todo o trabalho que teremos de realizar para lá chegar. As nossas aversões pelo estado actual levam a um crispamento interior, um fechamento; ainda uma espécie de ânsia, mas desta vez o desejo de fugir ou de lutar. Nunca inteiramente quietos, vivemos num constante estado de fluxo entre o agora e o depois, entre o que é e o que poderia ser, continuamente perturbados e em ajustamento, sempre a recuperar.

Entre nós e a nossa circunstância, entre nós e nós próprios, há sempre uma troca de bem-estar e discórdia. É ao longo dessa fronteira que a nossa vida acontece, é ao longo dessa linha que sentimos o que é sermos nós, é quando sabemos o que somos. Essa constante fricção contra aquilo que ainda não somos gera o calor dos sentimentos. E isto não é bom nem mau, mas necessário." - Vincent Deary

quinta-feira, 6 de abril de 2017





"A maior parte da nossa vida é passada em contacto com pessoas estranhas à família e ao casal. Estamos cada vez mais abertos ao exterior: a Internet e as redes sociais põem-nos à distância de um bit de alguém do outro lado do mundo ou da cidade onde habitamos. 

Queremos o amor como quase ingrediente único dos casamentos, mas transformámos os casais numa espécie de queijos suíços, cheios de buracos e permeáveis às correntes de ar...

Queremos tudo na mesma pessoa: amante, sempre disponível e criativa, amiga para as horas boas e más, mãe ou pai solidários. Mesmo no auge da tensão conjugal, suportamos mal o desinvestimento temporário na relação. «Assim não sou feliz, não sei se consigo continuar.»

Por vezes temos tudo isto. Somos pouco tolerantes quando alguma coisa falha. Pomos no outro uma carga tal que a capacidade de energia da relação não aguenta. Ao sermos assim, também defendemos a nossa saúde: está mais do que provado que as pessoas felizes são mais saudáveis, têm menos enfartes do miocárdio e acidentes vasculares cerebrais. Os divorciados morrem mais cedo.

Encontrar o amor da minha vida não é muito difícil - «quem feio ama bonito lhe parece»... Difícil é manter a beleza ao longo do tempo; difícil é gostar de alguém e não lhe atribuir as culpas dos males que nos acontecem; difícil é não criticar quem se conhece tão bem; difícil é manter a atracção ao longo do tempo e não transformar o outro numa pessoa da família, anulando o erotismo que um amor a dois deve ter." - José Gameiro

quarta-feira, 5 de abril de 2017





"Se nos recusarmos a aceitar a morte agora, enquanto ainda estamos vivos, vamos pagar caro ao longo da nossa vida, no momento da nossa morte e depois dela. As consequências desta rejeição destruirão tanto esta vida como todas as vidas seguintes. Não conseguiremos viver plenamente a nossa vida; continuaremos aprisionados precisamente no aspecto de nós mesmos que tem de morrer. Esta ignorância irá despojar-nos da base do caminho para a iluminação, capturando-nos incessantemente no reino da ilusão, o ciclo descontrolado do nascimento e da morte, esse oceano de sofrimento que nós, budistas, chamamos samsara.

No entanto, a mensagem fundamental dos ensinamentos budistas é de uma enorme esperança, tanto na vida como na morte, desde que estejamos preparados. Os ensinamentos revelam-nos a possibilidade de uma liberdade surpreendente e finalmente ilimitada, que nos cabe a nós conquistar agora, ainda em vida - a liberdade que também nos permitirá escolher a nossa morte e igualmente o nosso nascimento. Para alguém que tenha preparado e praticado, a morte chega não como uma derrota mas como um triunfo, o momento supremo e mais glorioso da vida." - Sogyal Rinpoche

terça-feira, 4 de abril de 2017





"No bosque viviam o rei dos corvos e o rei dos mochos, cada um com a sua respectiva legião de corvos e mochos. Sempre haviam partilhado a floresta em paz, mas um dia o rei dos corvos e o rei dos mochos encontraram-se e começaram a trocar impressões. O rei dos corvos perguntou:

- Porque é que a tua legião de mochos trabalha à noite?

O mocho, surpreendido, replicou:

- Vocês é que trabalham à noite, nós trabalhamos de dia, portanto não mintas tão descaradamente.

E os dois monarcas envolveram-se numa discussão acesa, ambos convencidos de que trabalhavam de dia. A discussão tornou-se tão violenta que a legião dos corvos e a legião dos mochos se colocaram frente a frente para entrar em batalha. Naquela situação tão crítica, calhou passar por lá um pacífico cisne que, ao ficar a saber da razão da disputa, disse:

- Acalmem-se todos, queridos companheiros.

E dirigindo-se aos reis, acrescentou:

- Não devem discutir, já que ambos têm razão. De cada uma das vossas perspectivas, os dois trabalham de dia.

Quando só se vê um lado da Lua, convencemo-nos de que aquele lado é toda a Lua. Essa falta de discernimento leva-nos a agarrar e a apegar às nossas ideias e opiniões, e também a menosprezar as dos outros. Para quem sabe ver as duas faces da Lua, não se traduz em desconhecimento, mas em sabedoria." - Ramiro Calle

segunda-feira, 3 de abril de 2017



"Mudei-me recentemente de uma grande para uma pequena cidade. Abandonei a grande metrópole como um toxicodependente que deixa a droga, pois por vezes a única maneira de nos mantermos vivos, de mudar, de crescer, é indo embora. Tudo se tornara saturado de tudo o resto, tudo me recordava um eu que já não me interessava. O carácter, disse Aristóteles, é o comportamento habitual e a grande metrópole tornara-se o cenário e a sustentação de uma série de hábitos, para uma personagem que eu já não queria prolongar. Por isso, pus-me a andar. Quando a rede social se transforma numa teia confinante, então chega a altura de a cortar e de se pôr a mexer. Claro que mantive algumas ligações, enquanto outras se atenuaram e murcharam. Formaram-se novas. Por isso, mudei: enquanto um mundo acabava e outro começava, mudei. O grau da mudança poderia ser medido pelo número de laços que mantive e o número de novos laços que formei. Para cumprir de facto a distância, para realmente me transformar, poderia ter feito algo deste género:

O sannyasa é uma forma de ser, uma forma de morrer para o mundo e para a sociedade. O sannyasin {...} deixa de ser um membro da sociedade e situa-se fora do seu enquadramento, não tendo praticamente nada que ver com as suas leis sociais, os seus ritos, os seus rituais, os seus sacramentos, etc. O sannyasin renuncia à casta, à família e adopta um novo nome, que significa o renascimento. 

O suicídio simbólico é outra forma de ver esta modificação, para exprimir a ideia de que, por vezes, para acabar com o eu, para matar o eu, tudo o que é preciso é retirarmo-nos da rede de associações que actualmente nos definem. Eu não fui tão longe e poucos o fazem. Mas o eu de uma temporada terminou e começou outro. 

Estas são as muitas formas pelas quais o mundo pode acabar. O desejo ou o aborrecimento poderão impelir-nos para fora dele. No conjunto, porém, o nosso impulso é para nos mantermos. Os nossos hábitos e rotinas estão encerrados e fixados no nosso interior e no interior de um mundo familiar de pessoas, lugares e coisas, salas e adereços. Colectivamente, fazem-nos saber quem somos: lembram-se para nós não termos de o fazer. Poucos de nós desejam deliberadamente embarcar num corte biográfico, na amputação simbólica, ou no total suicídio simbólico, no sannyasa, que resultaria da mudança de partes importantes do nosso mundo. Claro que podemos cortar aqui e ali - perder algumas características, mesmo talvez mudar de local - mas os temas centrais tendem a não estar prontos para serem rescritos durante grandes períodos de tempo. Tendemos a querer manter-nos dentro dos lugares comuns, conspirando com os nossos familiares acerca de coisas familiares, onde o nosso mundo faz sentido e onde as pessoas sabem o nosso nome.

Mesmo assim, a mudança virá. Poderá começar como um rumor distante, um ruído vindo de fora do nosso pequeno mundo, ou uma intrusão inesperada dentro dele, uma invasão, assinalando a existência de outro mundo. Poderá ser uma intimação, ou uma sentença de morte, ou um chamamento ou uma oferta, uma vitória ou uma derrota, uma catástrofe ou uma epifania, ou meramente uma cadeia acumulada de pequenos acontecimentos. Mais tarde ou mais cedo, contudo, o seu actual mundo mudará, a actual temporada terminará.

Ninguém disse que iria ser fácil." - Vincent Deary

domingo, 2 de abril de 2017




"O amor e a felicidade têm uma relação difícil, recheada de euforias, sobressaltos, momentos de sintonia entre os dois sentimentos, tempos de clivagem e de grande sofrimento. Mas é uma relação desigual: perder um amor gera infelicidade, ser feliz não implica necessariamente amar e ser amado.

Haverá um conceito absoluto de felicidade? Uma espécie de definição universal transversal a todas as culturas? A felicidade não se vê, sente-se, é uma construção de cada um de nós baseada na conjugação do exterior  com o interior. Podemos ser felizes se o exterior fizer sentido, mas também podemos sê-lo com o interior a bastar-se a si próprio.

A felicidade pode ser agressiva para os outros. O narcisista é feliz, adora-se, mas a sua capacidade de se relacionar é muito limitada - quando olha para fora só se vê a si próprio.

Olhar para trás e dizer «fui feliz», «fui infeliz», implica a sobreposição de falsas e verdadeiras memórias, conjugadas no momento da avaliação. Somos pouco consistentes quando pensamos na felicidade, somos mais verdadeiros quando a sentimos. A felicidade é menos objectivável do que a infelicidade. Sentimo-nos felizes, mas conseguimos descrever em pormenor porque somos infelizes. Podemos estar tristes e felizes: a tristeza pode dar bem-estar e equilíbrio, mas não pode ser desencadeada pela ruptura amorosa; quase ninguém se sente feliz por perder o objecto amado. Aliviado, por vezes, sim; feliz, raramente." - José Gameiro

sábado, 1 de abril de 2017




"Há coisas possíveis e impossíveis de fazer. Quem nunca tentar jamais saberá nem uma coisa nem outra. Só com empenho e afinco é possível saber do que somos capazes.

Sentir-se incapaz de fazer algo possível é negligência. Encarar a realidade e admitir a incapacidade de fazer uma coisa que é realmente impossível: isso é ser sábio e perspicaz." - Kentetsu Takamori