sexta-feira, 30 de setembro de 2016




"O Segredo do Amor à Vida

A qualidade de um coração não reside na quantidade de amor que pode dar a uma pessoa, mas sim na quantidade de pessoas que cabem nesse coração." - Álex Rovira e Francesc Miralles

quinta-feira, 29 de setembro de 2016




"O que quer que se possa chamar mais ao «lar», ele deve ser certamente uma premissa humana fundamental. Em todas as culturas do mundo, o direito a viver num lar é provavelmente a primeira condição da cidadania e humanidade. A condição de sem-abrigo é uma aberração. Pode acontecer em qualquer lugar de tempos a tempos, é claro, mas, quando olho com atenção para o mundo, vejo muito poucos lugares em que residam uma classe inteira e permanente de pessoas rotuladas como «sem-abrigo». Nem nos lugares mais pobres em que já vivi, nem mesmo numa aldeia africana onde toda a gente que eu conhecia tinha apenas uma camisa (na melhor das hipóteses) e a maioria nunca tinha tocado num automóvel. Porque mesmo aí, desde que a estrutura social permaneça intacta, as pessoas sem recursos são acolhidas pelas suas famílias. Mesmo que alguém se desmorone completamente e tenha de ir para o hospital, o que significa uma caminhada a pé de dezenas de quilómetros ou mais, a família inteira acompanha-o para se certificar de que o doente está a ser bem tratado. O «lar», neste caso, torna-se portátil. Eu sei disto porque quando era criança vivi numa aldeia africana que albergava o mais pequeno hospital de cimento da região. Sempre que passava por lá, os animados terrenos do hospital nunca deixaram de me impressionar. Era apenas uma praça de terra batida, talvez esticando todos os seus cantos até ao tamanho de um quarteirão de cidade, mas era sempre um sítio movimentado, onde dezenas de famílias acampavam à volta das suas fogueiras para cozinhar enquanto esperavam que algum familiar fizesse uma operação, tivesse um bebé ou morresse. Enquanto isso, passavam o tempo a estardalhar com crianças que corriam por ali sem nada vestido a não ser correntes de contas à volta da barriga. No resto da minha vida, nunca mais testemunhei outra cena tão solidamente baseada tanto na pobreza como na segurança. Não desejo glorificar a metade empobrecida desta equação; estas crianças tinham barrigas inchadas devido ao kwashiorkor, e tinham parasitas. Mas também tinham famílias que não podiam esquecer em nenhuma circunstância, nem mesmo abandonar, nem ser abandonadas por elas, por mais que pudessem cair em loucura ou doença ou tempos difíceis. Não acredito que a palavra sem-abrigo, tal como é usada na nossa língua, possa ser traduzida lá.
Na maior parte das culturas que conheci ou sobre as quais li, a provisão de um lar é considerada como a principal função e obrigação da família humana. Em países ricos que não o nosso, tal como o Japão, os membros da Comunidade Europeia e o Canadá, o Estado também assume esta obrigação; os seus cidadãos pagam impostos mais altos do que nós e portanto as pessoas abastadas vivem com um pouco menos. De um modo geral, os cidadãos destes países têm casas mais pequenas, carros mais pequenos e apetites por bens de consumo mais pequenos do que nós. E para equilibrar, têm um tipo de segurança desconhecida para os cidadãos dos EUA - ou seja, a promessa de que o Estado irá proteger todos os cidadãos da desgraça. Uma boa educação, bons cuidados de saúde e boa protecção estão bastante bem garantidos, mesmo para aqueles que têm doenças incapacitantes ou algum azar. A Revisão da Carta Social Europeia do Conselho da Europa (1996) declara no Artigo 34: «De forma a combater a exclusão social e a pobreza, a União reconhece e respeita o direito à assistência social e domiciliária para assegurar uma existência decente para todos aqueles a quem faltam recursos suficientes.» Mais recentemente, na Cimeira de Lisboa, em Março de 2000, os líderes dos quinze países da União Europeia concordaram em desenvolver uma estratégia comum para fornecer acesso universal a uma habitação decente e com saneamento. Estas nações civilizadas concordaram há muito tempo que a existência de sem-abrigo não é simplesmente uma opção. 
Onde é que os sem-abrigo realmente existem? Na fronteira entre o Congo e o Ruanda, países que estão envolvidos numa prolongada guerra civil. No Kosovo, pela mesma razão. Na Índia, sempre que a construção de uma enorme barragem inundou aldeias. No Quénia e noutras partes de África, onde grandes números de crianças perderam as suas famílias inteiras ampliadas para a SIDA. Muitos tornaram-se também sem-abrigo na Somália durante a seca, nas Filipinas depois da erupção vulcânica, na Cidade do México depois do terramoto. Por outras palavras, a existência dos sem-abrigo como um problema significativo ocorre em países fustigados pela guerra, pela fome, pela doença e pelos desastres naturais. E aqui, nos EUA. Porque é que não estamos a prosseguir - connosco, com os nossos vizinhos e com as pessoas que nos representam - com a conversa que começa com a pergunta: Que raio é que há de errado connosco? 
Este é um país especial, já o sabemos. Há coisas na maneira como organizamos a nossa sociedade que o tornam único no planeta. Acreditamos na liberdade, na igualdade e em tudo o que permite que sejam  construídos extravagantes empreendimentos imobiliários em redor da minha cidade natal na proporção de uma nova inauguração por semana («Casas-modelo, 6 quartos, garagem para 3 carros, com entradas de apenas 180 dólares!»), enquanto 20 por cento das crianças dos livros de registos do meu distrito vivem abaixo do nível de pobreza. Por todo o país, embora os sem-abrigo sejam uma população difícil de recensear, podemos estar certos de que eles são mais de um milhão. Como é que o resto do mundo mantém uma cara séria quando vamos invadi-lo no nosso mais recente cavalo branco da Operação-deste-ou-daquele-tipo-de-Justiça, e toda a gente pode ver perfeitamente como nos comportamos em casa? É em casa que toda a justiça começa." - Barbara Kingsolver 

quarta-feira, 28 de setembro de 2016




"Desde crianças que ouvimos repetir muitas vezes à nossa volta expressões como: «tem cuidado», «vê lá bem o que vais fazer», «não te deixes enganar», «tens mesmo a certeza?» São precauções que, apesar de nos serem ditas por aqueles que são mais velhos do que nós com a intenção de nos proteger, com a melhor das intenções, mas que nas crianças, que têm personalidades que absorvem tudo e são permeáveis, podem acabar por ficar demasiado interiorizadas e chegar a extremos prejudiciais para a sua felicidade futura. Não me lembro de alguém, na minha infância, me ter dito algo parecido ao que Rabindranath Tagore expressou de modo tão poético: «Se fechas a porta aos erros, deixarás de fora a verdade.»
Porque é que, em tantas ocasiões, e uma vez adultos, adiamos a tomada de qualquer decisão, por vezes insignificante? Porque tomar decisões nos mete medo, e para essas feras insaciáveis que são os medos, nós, os humanos, somos presas fáceis.
Como diz a escritora norte-americana Susan Jeffers: «Nós, a maior parte das pessoas, levamo-nos e às nossas decisões demasiado a sério. Tenho boas notícias - nada é assim tão importante. A sério. Olhem para tudo com mais calma."
Parece-me inevitável que, ao longo da vida, acabem mal muitas das coisas que empreendemos (mas isso não nos deve impedir de continuar a empreender outras); é inevitável atravessá-la sem amores impossíveis ou frustrados (o que não deve paralisar a nossa capacidade de amar); sem amizades que nos decepcionem; sem pessoas de quem gostamos que morrem; sem...
Como soube expressar de maneira tão soberba e sóbria o poeta espanhol Ramón de Campoamor:

«Não há experiência nem saber que impeça
o sofrer desenganos,
em breve farei cem anos
e não fiz mais do que errar toda a minha vida.»

No entanto, é impossível que uma pessoa cresça e desfrute verdadeiramente da vida se não impuser a si mesma metas, mesmo que logo a seguir lhe pareçam erradas, se não se atrever a deixar para trás os seus medos e as suas ideias preconcebidas, se não é capaz de se aventurar vezes sem conta por todos os caminhos, por muito pó que levante.
Se alguém acredita que nunca tropeçou, talvez seja porque caminhou muito pouco.
«Quem não arrisca, não petisca», dizia uma pessoa mais velha que me era muito querida, que morreu quando eu era criança. Também me dizia que « se me arrependesse de alguma coisa, antes fosse por algo que tinha feito do que por algo que tinha deixado de fazer». É melhor arrependermo-nos de uma acção do que de uma omissão, poderia ser o seu lema." - Clemente García Novella

terça-feira, 27 de setembro de 2016




"O amor não existe para nos fazer felizes e sim para nos mostrar o que conseguimos suportar.

«Se és poeta, verás claramente uma nuvem a flutuar por cima desta folha de papel. Sem as nuvens, não haveria chuva; sem a chuva, as árvores não poderiam crescer e sem as árvores não se poderia fazer papel.
Se observarmos ainda mais atentamente esta folha de papel, poderemos ver nela o brilho do sol. Se a luz do sol não estiver aqui, o bosque não poderá crescer. Na verdade, sem ela nada poderia crescer. Nem nós poderíamos crescer sem o sol. E se continuarmos a observar, poderemos ver o lenhador que cortou a árvore e a levou à serração para ser transformada em papel. E vemos o trigo. Sabemos que o lenhador não pode existir sem o seu pão de todos os dias e, por isso, o trigo que se transformou em pão também está nesta folha de papel. A mãe e o pai do lenhador também estão aqui. Se dermos mais um passo, poderemos ver que também nós estamos presentes nesta folha. Isto não é tão difícil porque quando observamos a folha de papel, ela faz parte da nossa percepção. A tua mente está presente nela. E a minha também. Não há nada que não possas incluir aqui: o tempo, o espaço, a terra, a chuva, os minerais do solo, o sol, a nuvem, o rio, o calor. Tudo coexiste nesta folha de papel; não estamos isolados. Esta folha de papel existe porque tudo o resto existe. Este papel, tão finito, contém em si todo o universo.» - Thich Nhat Hanh" - Álex Rovira e Francesc Miralles

segunda-feira, 26 de setembro de 2016




"Foi isto que mudou para nós naquele dia (11 de Setembro): não o que sabemos, mas como nos sentimos. Sempre vivemos num mundo de mágoa e calamidade constantes, mas a maioria de nós nunca teve de dizer antes: podia ter sido eu. Eu e as minhas filhas naquele avião, o meu marido naquele edifício. Eu pisei aquele mesmo passeio, provavelmente sentei-me num daqueles aviões. Fomos nós, americanos no trabalho, de férias, a caminho de casa, ou apenas a passar de um edifício para o outro. Vivos, depois mortos. 
É provavelmente apenas humano admitir que a morte de um estranho é mais arrasadora quando podemos imaginá-la como a nossa própria morte. Todos nós começámos a dizer, naquela semana: «Esta foi a coisa pior que alguma vez aconteceu.» Eu sei que devíamos ter acrescentado a nós, porque já aconteceram desastres piores - se o «pior» puder ser medido somente pelo número de mortes - em praticamente todos os outros países do mundo. Dois anos antes, um terramoto na Turquia tinha morto três vezes mais pessoas num dia, bebés e mães e trabalhadores. No Novembro antes disso, um furacão que atingiu as Honduras e a Nicarágua e que matou ainda mais, enterrou aldeias inteiras e apagou linhagens familiares; ainda agora, as pessoas acordam lá de mãos vazias. Alguns desastres são apelidados de «naturais» (embora tenha sido a guerra que deixou a Nicarágua tão vulnerável) e no entanto as suas vítimas são tão inocentes como as nossas do 11 de Setembro, e igualmente mortas. De que fim do mundo devemos falar? Apenas do tipo assassino? Há sessenta anos, aviões japoneses bombardearam rapazes da marinha dos EUA que estavam a dormir em navios nas calmas águas do Pacífico. Três anos e meio depois, aviões americanos bombardearam uma praça no Japão onde homens e mulheres iam para o trabalho e crianças em idade escolar estavam a brincar, e morreram mais humanos ao mesmo tempo do que alguém alguma vez pensara ser possível: setenta mil num minuto. Imaginem, agora que podemos - agora que temos um número com o qual comparar -, setenta mil pessoas mortas num minuto. Depois, o dobro dessas, lentamente, das entranhas. 
Ao que parece, não há dias piores. Há dez anos, numa madrugada de Janeiro, caíram bombas do céu e provocaram o desmoronamento de grandes edifícios na cidade de Bagdade - hotéis, hospitais, palácios, edifícios com mães e soldados lá dentro - e aqui no lugar que eu quero amar mais, vi pessoas a congratular-se com isso. Em Bagdade, os sobreviventes fecharam os punhos ao céu e usaram a palavra mal. Todos nós tendemos a elevar as vidas dos nossos compatriotas a um nível sagrado, pensando que os nossos próprios cidadãos são mais dignos de pesar e levados com menos aceitação do que as vidas num outro lugar. Quando muitas vidas são perdidas ao mesmo tempo, as pessoas juntam-se e pronunciam palavras como odioso e horror e vingança, presumindo fazer com que este momento horrível fique de alguma forma afastado das maneiras como as pessoas morrem um pouco todos os dias em todo o mundo de doença ou de fome. Mas os corações despedaçados não são recompostos nesta cerimónia porque, na verdade, cada dia que acaba é, em última análise, o seu próprio resultado - mesmo que de alguma forma todas as vidas sejam iguais, uma luz a apagar-se que sofria para arder mais tempo. Mesmo que nunca tenha tido a oportunidade de amar a luz que se apagou, vai sentir a sua falta. Devia; vai ter de sentir. Suportamos este mundo e tudo o que está errado nele ao continuarmos a considerar a vida preciosa, sempre, e ao recomeçarmos.
Durante a minha vida, argumentei contra o genocídio, juntei-me a campanhas de ajuda humanitária, enviei sementes para lugares vítimas de fome. Enlutei-me pelos meus companheiros humanos de todas as formas que conheço. Mas nunca antes as suas mortes específicas tinham entrado de modo tão persistente nos meus sonhos. Desta vez fomos nós, o que nos deixou a tremer, levando a minha filha mais nova a perguntar calmamente: «Vai-me acontecer a mim, mamã?» Compreendi com a mais profunda tristeza que alguma vez conhecera que esta era a pergunta errada, e, sempre fora. Tinha estado sempre a acontecer-nos a nós - na Nicarágua, no Sudão, em Hiroxima, naquela noite em Bagdade - e agora finalmente sabemos o que se sente. Agora podemos aprender, com o sabor do nosso próprio sangue, que todas as guerras são ganhas e perdidas, e que a perda é uma pura nota aguda de angústia como uma mãe a cantar para uma cama vazia." - Barbara Kingsolver

domingo, 25 de setembro de 2016




"Há pessoas de temperamento pessimista e negativo que, perante acontecimentos que lhes são propícios, mal ficam alegres; contudo, perante acontecimentos desfavoráveis, afligem-se e angustiam-se até mais não poder.
E há outro tipo de pessoas, com uma maneira de ser muito mais proveitosa para elas mesmas, a quem é normal acontecer precisamente o contrário: ficam muito contentes quando lhes acontecem coisas que desejavam mesmo e não se afligem em excesso se os resultados não são os esperados. 
 Um dos maiores presentes que a natureza pode ter dado a alguém é ter este segundo tipo de personalidade.
Ter um temperamento alegre é um dom que nenhuma riqueza ou poder podem substituir.
Contudo, no caso de não sermos assim, de não termos nascido com este tipo de personalidade, não nos podemos esquecer que a nossa maneira de ser também pode ser trabalhada: é moldável. Há umas palavras que aparecem no Fausto de Goethe com as quais, apesar da sua beleza poética, não estou nada de acordo: «Ao fim e ao cabo, somos o que somos. Mesmo que coloques na cabeça perucas com cem mil caracóis, que te apoies em andas com dois metros de altura, continuarás a ser sempre o que és.»
Porque afirmo não estar de acordo? Porque uma pessoa pode mudar aquilo que é: a neuroplasticidade é um facto provado.
O cérebro é moldável e, com ele, também o são os pensamentos, as emoções e os comportamentos.
O erro está em não empregar as energias próprias para moldar a personalidade e sim para, por exemplo, adquirir mais bens materiais. Agora a verdade é que aprender a ser optimista, quando não se é dessa maneira de forma inata, assemelha-se muito a aprender a falar outra língua: é necessária uma boa dose de empenho e, sobretudo, muita prática. 
E também perseverança, claro está.
Somos realmente realistas (permitam-me o jogo de palavras) quando esperamos sempre o pior? Nada é realista ou irrealista: o que existem são os nossos pensamentos sobre uma determinada situação. Podemos escolher o que queremos pensar e como reagir perante as coisas. O pensamento positivo não é novo, longe disso. Todos nós sabemos a teoria. A única coisa necessária é a prática, prática, prática, prática constante.
Habituemo-nos a procurar a parte positiva - ela costuma existir sempre - dos acontecimentos e das pessoas. Também das pessoas, sim, mesmo que seja apenas o facto de que podemos aprender com elas como não nos queremos comportar ou o que não queremos fazer. Um esforço consciente e sincero nesse sentido, o de ser positivo em qualquer circunstância, é um dos caminhos mais seguros para uma maior felicidade.
Tudo aquilo que se aprende pode desaprender-se. Se aprendemos, à força de repetições, a queixar-nos intensamente sempre que não encontramos um lugar para estacionar, podemos desaprender esse tipo de pensamento e substituí-lo por um do género: « Não é assim tão grave, não vale a pena ficar de mau-humor por tão pouco; embora me vá custar dinheiro, hoje vou arrumá-lo no parque.»
Temos de perceber que todos os dias criamos preocupações por coisas que, na verdade, não são graves, nem vitais, nem sequer importantes.
Por outro lado, estou convencido que a negatividade é contagiosa. E acho que a vida é demasiado curta para que a passemos rodeados de pessoas que expulsam a felicidade de dentro de nós como se estivessem a apertar uma esponja molhada entre as mãos. Na medida do possível, todos deveríamos tentar rodear-nos de pessoas que nos façam sentir bem. Mas a negatividade não só é contagiosa de pessoa para pessoa: também nos contagiamos a nós próprios ao repetirmos dia após dia as mesmas frases automáticas, os mesmos gestos e os mesmos padrões de conduta nocivos para o nosso bem-estar." - Clemente García Novella

sábado, 24 de setembro de 2016




"Nunca te atrevas a dizer que não tens família, porque não é verdade. Há laços muito mais poderosos do que os de sangue.
Os amigos são a família espiritual que escolhemos para a viagem da vida." - Álex Rovira e Francesc Miralles

sexta-feira, 23 de setembro de 2016




"Passear pelo mundo ignorando diferenças culturais é arrogante, de certeza absoluta, mas talvez exista outro tipo de arrogância na presunção de que alguma vez poderemos construir realmente uma ponte sem defeitos entre uma margem e a outra, ou até mesmo sabermos onde é que o nevoeiro deu lugar à vista da terra. 
Que rica sabedoria haveria, e quão mais generosa seria uma colheita em obter prazer não por se atingir a perfeição pessoal mas sim por se compreender a inevitabilidade da imperfeição e perdoar aqueles que também têm pouca." - Barbara Kingsolver

quinta-feira, 22 de setembro de 2016




"A opinião que os outros têm de nós só é importante até um certo ponto. A honra tem um valor relativo, tal como acontece com o dinheiro. Nos nossos dias, há demasiadas pessoas que regem as suas vidas quase exclusivamente por uma combinação de ambas as coisas: riquezas e opiniões dos outros sobre elas. Isto é um disparate, no meu modo de ver, porque implica deixar o nosso bem-estar em mãos alheias. A opinião dos outros (sobre se sou digno da sua confiança) não depende exclusivamente do meu comportamento, mas sim da maneira como essas pessoas me vêem. É o nosso carácter aparente, e não o verdadeiro, que determina a opinião que os outros formam sobre nós, se as pessoas não nos conhecerem intimamente. Assim, as opiniões dos outros sobre mim não depende em exclusivo de mim, e com isso, se basearmos o nosso bem-estar nessas opiniões, estaremos, uma vez mais, a renunciar a sermos donos da nossa felicidade.
Lembrarmo-nos de que podemos perder algo que amamos tanto, fruto do mais injusto dos azares ou dos acidentes, é uma maneira importante de relativizar qualquer ofensa de um ser querido. Na verdade, lembrarmo-nos de vez em quando da futilidade das nossas vidas é uma forma eficiente de relativizar qualquer outro mal-estar.
Os poetas costumam falar do tempo como sendo aquilo que faz com que qualquer coisa que nos aconteça nos escorra pelas mãos, perdendo, assim, o seu valor. Esta maneira de ver a vida, que da perspectiva de um pessimista pode fazer com que este se afunde em melancolia, é para mim, pelo contrário, um modo de tirar importância a grande parte das coisas que vemos como desmesuradamente negativas." - Clemente García Novella

quarta-feira, 21 de setembro de 2016




"- O amor romântico é o princípio. Todos nos apaixonamos, pelo menos uma vez. Alguns de nós até se apaixonam várias vezes. No entanto, para passar à segunda fase é necessário um certo grau de mestria.
- Qual é a segunda fase?
- É o amor de longa duração. Ainda é mais valioso do que o amor romântico, porque passou a prova do tempo. Eu sou um exemplo desse tipo de amor. Há vinte e um anos e três meses que a minha mulher não está entre nós, mas continuo a fazer as coisas como ela gostava que fossem feitas. Gosto de manter vivas as coisas que lhe davam vida. Afinal, nós somos o que amamos. E morremos no dia em que já ninguém pensa em nós. O amor verdadeiro é isto.
- O que quer dizer com isso?
- O amor é estar sempre a pôr lenha na lareira. Só assim se mantém o fogo aceso. Parece óbvio, mas há muitas pessoas que se esquecem. É por isso que tantos namoros correm mal. Se queres amar de verdade, lembra-te disto, rapaz: mesmo que estejas cansado, tens de ir buscar um pedaço de lenha para pôr na lareira. Se não o fizeres, de manhã só vais encontrar as cinzas do que foi o teu amor." - Álex Rovira e Francesc Miralles

terça-feira, 20 de setembro de 2016




"Não estou disposta a uma viagem de culpa, apenas a uma aventura de leveza suportável. Abordo os nossos esforços pela simplicidade da mesma forma que uma noviça aborda a sua ordem, aspirando a uma vida de compreensão profunda, disciplina, serenidade e alegria. Comparar a simplicidade voluntária com uma religião não é hipérbole nem sacrilégio. Algumas pessoas olham em volta e declaram que a raiz de todo o mal é o sexo ou a blasfémia, e por isso aspiram a ser pias e castas. Onde eu procuro o mal é mais provável que veja degradações de vida humana e natural, uma lacuna imoral entre ricos e pobres, uma terra destruída. Na raiz disto tudo vejo ganância e consumo excessivo por parte da minoria poderosa. Nasci nesta casta, mas posso aspirar a não desperdiçar e a querer menos.
A mim parece-me que deixar de comer alimentos conservados e legumes vítimas de jet lag é qualquer coisa como deixar de fumar: requer alguma disciplina no início, mas, em última instância, é difícil ver o sinal de menos na equação. Se ainda existe alguém que ainda pense que comer de modo biológico é uma questão sensaborona como trincar granola, ele ou ela devem ter perdido o barco de regresso por volta do meio da manhã na Era de Aquário. O movimento cresceu. A maior parte dos europeus acha que somos tolos por comermos algumas das porcarias mais insípidas que se fazem passar por comida nos nossos supermercados. Os italianos, que foram pioneiros da Slow Food inventaram um movimento consciencioso para a preservação de quintas e da cultura de alimentos únicos e sustentáveis, mas o seu ponto de partida foi o repúdio puramente epicurista pelo pronto-a-comer e pelos legumes aguados e transportados. Agora que entrei na alimentação local não posso desistir, porque, inadvertidamente, criei crianças que ficam horrorizadas com o paladar de um tomate comprado na loja. A saúde também é importante: as minhas miúdas em crescimento não precisam das hormonas e toxinas que envolvem a comida americana em quantidades reguladas. Mas esta é apenas parte da questão. Estar contra a agricultura irresponsável por causa da nossa saúde pessoal é um pouco como estar contra uma central nuclear no nosso jardim por causa da vista. As minhas próprias filhas são a parte mais pequena do icebergue. Os milhões de crianças na África Subsariana e noutros sítios que agora enfrentam a fome e condições climáticas extremas sem precedentes históricos devido ao aquecimento global são o resto do icebergue." - Barbara Kingsolver

segunda-feira, 19 de setembro de 2016




"«O essencial é invisível aos olhos.» Todos somos príncipes e princesas até que o nosso par nos transforma em sapos. Tem isto em conta quando escolheres uma namorada: cabe-te a ti fazê-la sentir-se como uma princesa ou como um sapo.
O príncipe ou princesa encantado vive no interior de cada um de nós. É esse o segredo da atracção: se não gostas de ti próprio porque pensas que és um sapo, nenhuma princesa te amará. Por outras palavras: se não estiveres apaixonado pela vida, a vida não se apaixonará por ti..." - Álex Rovira e Francesc Miralles

domingo, 18 de setembro de 2016




"Que calor! Que frio! Que preguiça! Que cansaço! Que falta de vontade tenho para... As queixas fazem parte de muitas das nossas conversas e também de muitos dos nossos pensamentos. Alguma vez contámos a quantidade de vezes que nos queixamos num único dia? 
Se uma pessoa se aperceber que passa o dia a lamentar-se de quase tudo ou a mostrar aos outros ou perante si mesma uma «indignação justificada», penso que o melhor é esforçar-se por deixar de o fazer. Como tudo, exigirá prática: se uma pessoa passou toda a vida a queixar-se, não pode deixar de o fazer de um dia para o outro. 
Podemos começar por questionar os nossos motivos para estarmos aborrecidos. Quando nos irritamos, costumamos atribuir intenções malvadas, perversas e reprováveis às pessoas, e até mesmo às coisas. Penso que nos enganamos ao fazê-lo. Em primeiro lugar temos de aceitar algo que, enquanto conceito abstracto, já sabemos: que as coisas acontecem e que lhes é indiferente se nos aborrecemos com elas ou não (por muitas vezes que repitamos «está tanto calor!» isso não fará com que a temperatura baixe).
Também temos de procurar outras perspectivas em relação às pessoas. É possível que essa pessoa que nos irritou tanto não tivesse consciência disso. Também pode ser que, devido aos seus problemas emocionais, e até mesmo psíquicos, não consiga evitar tratar os outros sem amabilidade. E também temos de aceitar que, pelos vistos, Oscar Wilde tinha razão quando escreveu que «algumas pessoas causam felicidade onde quer que vão; outras, quando se vão». O insuportável, o intolerável, aquele que nos faz a vida num inferno, é feliz? Seria óptimo se conseguíssemos transformar a nossa ira para com essas pessoas em compaixão por elas.
Se mudarmos a nossa maneira de ver as coisas, pode ser que as coisas comecem a mudar de forma.
Se não o fizermos, não teremos nem um minuto de repouso emocional, pois é impossível sermos felizes se acreditarmos que todo o mundo nos maltrata." - Clemente García Novella

sábado, 17 de setembro de 2016




"Quando a nossa filha de dez anos chama a nossa consciência à ordem, nós revelamo-nos: ela não comeu vaca desde então, e nós também não. É uma indústria com a qual não quero envolver-me mais, nem mesmo ao nível da venda a noventa e nove cêntimos. Cada 110 gramas de hambúrguer é entregue por cima do balcão depois dos seguintes custos de produção, que eu pesquisei com precisão: 378,5 litros de água, 543 gramas de cereais, uma chávena de gasolina, emissões de dióxido de carbono equivalentes às produzidas por uma viagem de 9,6 quilómetros num carro médio, e a perda de 566 gramas de camada superficial do solo, em que cada 2,5 centímetros levaram quinhentos anos a construir por micróbios e minhocas. Como é que tudo isto pode custar menos de um dólar, e quem é que é suposto pagar pelo resto? Se eu fosse uma vaca, era aqui que ficava louca.
Todos nós, mais cedo ou mais tarde, temos de aprender a olhar para a nossa comida na cara. Se estamos dispostos a comer um animal, é provavelmente responsável da nossa parte aceitarmos a verdade da sua proveniência viva, em vez de fingirmos que é um «produto» de uma prateleira de congelados com as suas miudezas num envelope de papel." - Barbara Kingsolver 

sexta-feira, 16 de setembro de 2016




"Sempre que fazemos alguma coisa, aquilo que fizemos foi o melhor que podíamos ter feito dada a pessoa que éramos naquele momento. Se nos culparmos por um erro, ao mal-estar que possa ter dado origem ao falhanço em si mesmo, acrescenta-se o castigo que é sentirmo-nos culpados. É como se um delinquente aplicasse a si próprio uma pena duas vezes mais dura do que a que lhe correspondia. 
Mas atenção, como para qualquer mudança importante, não basta ter reflectido sobre a sua conveniência e tê-lo decidido. Aquilo que nos fará evoluir será agir e repetir. A repetição consistirá em desfazer-nos uma e outra vez, as vezes que forem necessárias, de qualquer pensamento que nos faça sentir culpados e merecedores de castigo pelas coisas mais insignificantes.
Ao olharmos para trás, de certeza que veremos erros e oportunidades perdidas. Por um lado, os erros estão lá, nas nossas vidas, mas são mais ou menos os mesmos para todos. Não temos de achar que somos tão especiais, nem nas nossas limitações, nem nas falhas que cometemos. Mas, além disso, há outra grande razão pela qual não é justo que nos recriminemos tantas vezes; e essa razão é a do curso da vida - «o curso errático do labirinto da vida», como lhe chamava Goethe - que depende de muitos factores que escapam ao nosso controlo. Era impossível termos previsto todos os acontecimentos, sendo, além do mais, o nosso horizonte tão limitado.
Quanto mais capazes formos de ver as coisas passadas como inevitáveis, como se não pudessem ter sido de outra maneira - porque, na verdade, uma vez ocorridas, assim é -, maior domínio teremos sobre o nosso bem-estar emocional.
O mundo que nos rodeia é composto por uma sucessão de acasos e, na sua maior parte, de coisas boas e más imprevisíveis. Está na nossa natureza querer ter o maior entendimento e o maior controlo possível sobre o alvoroço sem ordem nem lei aparente que é a vida. Contudo, para o nosso próprio bem, temos de ser capazes de reconhecer e tolerar as nossas muitas limitações e de conviver com elas em harmonia.
Seremos mais felizes se aceitarmos que somos imperfeitos e que ser imperfeito é absolutamente normal. 
É natural que queiramos controlar tudo. Mas não é possível. Temos de admitir esta simples realidade; temos de nos conformar com o facto de que há coisas que não dependem de nós. E é melhor não pensar muito sobre uma coisa que não depende de nós.
Penso que a melhor atitude, ou seja, a menos contraproducente para a nossa felicidade, é contemplar os nossos próprios actos ou pensamentos equivocados como contemplaríamos os de uma terceira pessoa por quem sentíssemos simpatia: como actos ou pensamentos causados por determinadas circunstâncias sobre as quais já não se pode fazer nada salvo aprender para futuras ocasiões. É muito provável que, ao consolarmos um amigo que estivesse a lamentar-se por algo que fez mal, lhe diríamos algo parecido com: «se estivesse no teu lugar, teria feito a mesma coisa» ou «eu, no teu lugar, não teria sido capaz de fazer melhor». Pois bem, penso que podemos dizer estas mesmas frases a nós mesmos, pois também são verdadeiras quando se aplicam a nós: penso que sempre que agimos de uma determinada maneira, a nossa actuação terá sido a única possível dado a pessoa que éramos naqueles momentos e os dados com que contávamos. Entre outras coisas, sem ir mais longe, faltava-nos um dado de uma importância terrível: não sabíamos, com toda a certeza, que o resultado final não ia ser bom. E essa era uma informação que nos teria dado muito jeito! Ter-nos-ia sido bastante útil termos a certeza de que íamos cometer um erro!
A tentação de aplicar sempre a análise fria, a razão e o senso comum para tudo o que fazemos e temos feito é difícil de evitar. Faz parte da nossa natureza enquanto seres em parte racionais o querer entender o senso comum indefinidamente. Mas não me parece que isso seja possível. E também não seria bom, na minha opinião. Não nos esqueçamos que, antes de mais, somos seres emocionais. E, como tal, cometemos erros ao deixar-nos levar pelas nossas emoções. Felizmente. 
Há uma tradição (comum tanto na filosofia clássica como na psicologia, mas jovem nesta última) que - como método eficaz contra a ansiedade e a depressão - nos convida a pensar que, além de seres emocionais, também somos seres mortais. Uma pessoa lembrar-se de que vai morrer coloca-a sob uma perspectiva totalmente diferente. De que serve estarmos sempre a culpabilizarmo-nos e autoflagelarmo-nos, de que serve responsabilizarmo-nos de maneira doentia por qualquer falhanço, se dentro de pouco tempo já não estaremos aqui? Há razão para me preocupar tanto por causa daquela discussão que tivemos de manhã, ou por aquele negócio que não correu como esperava, ou pela semana de férias que afinal não me concederam? Embora a morte continue a ser um tema tabu, somos muitos os que pensamos que deveria ser um tema natural, mais frequente nas nossas conversas, o que aliviaria muitas neuroses." - Clemente García Novella

quinta-feira, 15 de setembro de 2016




"Durante a vida - pelo menos a minha - esta bênção só é dada raramente: a oportunidade de se estar num sítio elevado, virar em todas as direcções e não ver nem um único sinal evidente de humanidade. O mundo foi assim outrora, sem os nossos desmesurados sonhos e sem o nosso domínio. Nada nos cercava a não ser o escuro abraço das árvores, excepto onde a luz da pré-alvorada tocava a fachada de pedra desgastada de outra pirâmide a elevar-se sobre a cúpula. Então, entre um suster de respiração e outro, o sol apareceu para nós, escarlate e completamente delineado no horizonte." - Barbara Kingsolver

quarta-feira, 14 de setembro de 2016




"Atribuir a culpa àqueles que nos rodeiam é um erro que [...] nos leva a colocar o nosso bem-estar em mãos alheias, o que é insensato, além de ser uma abdicação das nossas possibilidades e recursos.
Sofrer é inútil. Sofrer não serve para nada. E eu acrescentaria que, além de ser inútil, sofrer é evitável: «a dor é invisível, mas o sofrimento é opcional», diz-nos o escritor Haruki Murakami, numa frase, se não me engano, de clara inspiração budista. O sofrimento, como qualquer outra emoção, não deixa de ser uma representação confusa, uma representação que, apesar de ser sobre o mundo exterior, na verdade produz-se dentro dos nossos cérebros, e não fora deles.
Deitar as culpas nos outros equivale a que o nosso bem-estar não dependa de nós, mas sim de terceiros. Se atribuirmos aos outros e ao mundo exterior todas as culpas daquilo que nos acontece, estaremos a renunciar a múltiplas possibilidades e a todo o poder que temos enquanto seres humanos. 
Atribuir a culpa aos outros é uma forma de fuga.
Não quero deixar de ter poder sobre mim mesmo.
Nego-me a isso. Não quero que a minha felicidade deixe de depender, como de facto depende, fundamentalmente de mim. Esforço-me cada dia (o que não quer dizer que consiga sempre) por responder de maneira diferente da habitual, ou seja, sem me aborrecer, perante os maus comportamentos dos outros. Não quero deixar nas mãos dos outros o poder de como reagir perante as coisas." - Clemente García Novella

terça-feira, 13 de setembro de 2016




"Mais de metade de todos os humanos vivem agora em cidades. Então, o habitat natural da nossa espécie é, oficialmente, aço, calçada, candeeiros de rua, arquitectura e empresas - a ordem de trabalhos hominídea.
Com todo o respeito pelas formas maravilhosas que as pessoas inventaram para se divertirem a elas e entre elas em superfícies pavimentadas, considero que este êxodo da terra me torna indescritivelmente triste. Penso nas crianças que nunca irão saber, intuitivamente, que uma flor é a maneira de uma planta fazer amor, ou ao que soa o silêncio, ou que as árvores expiram, ou que nós inspiramos. Penso nos estupefactos filhos do vizinho que se juntaram à volta do meu marido no seu minúsculo jardim nas traseiras, na cidade onde ele vivia há anos, a porem as mãos na boca em puro espanto ao verem-no arrancar cenouras do chão. (Sempre o professor atencioso, deu uma explicação sobre frutos e raízes e perguntou: «Que outros alimentos acham que podem crescer no chão?» Eles franziram o sobrolho, conferenciaram e propuseram alegremente: «Esparguete?») Pergunto-me que significado terá para as pessoas o facto de se esquecerem que a comida, tal como a chuva, não é um produto mas um processo. Pergunto-me como irão imaginar o infinito quando nunca viram a forma como as estrelas preenchem um escuro céu nocturno. Pergunto-me como é que posso explicar que um canto do tordo do bosque me faz doer o peito a uma população para quem a madeira é um material de construção e os sapinhos são uma doença da língua.
O que perdemos com o nosso grande êxodo humano da terra é uma sensação básica, tão profunda e intangível como a fé religiosa, da razão pela qual precisamos de nos agarrar aos lugares selvagens e belos que em tempos nos rodearam. Parecemos sucumbir tão facilmente à prevalecente tendência humana de pavimentar esses sítios, construir subdivisões sobre eles e chamar-lhes Os Salgueiros, ou Poleiro do Peregrino, ou Pasto do Alce, por causa do que quer que seja que tenha sido morto ali. Aparentemente, é difícil para nós, humanos, duvidarmos, nem que seja por um minuto, que este programa de deitar abaixo os nossos edifícios em intervalos regulares sobre toda a extensão do planeta Terra é, de um modo geral, uma boa ideia. Tentar abrandar ou alterar o programa é uma tarefa árdua. 
Barry Lopez diz que se esperamos ter sucesso na tarefa de proteger naturezas que não a nossa, «será necessário que reimaginemos as nossas vidas... irá requerer de muitos de nós uma humanidade que ainda não reunimos e uma graça que não estávamos conscientes de desejar até a termos provado.»
E no entanto, nenhuma tarefa podia ser mais crucial neste momento. Proteger a terra que outrora nos forneceu a nossa génese pode transformar-se na única história verdadeira que existe para nós. A terra ainda fornece a nossa génese, por muito que possamos gostar de esquecer que a nossa comida vem da terra húmida e lamacenta, que o oxigénio nos nossos pulmões estava há pouco tempo dentro de uma folha, e que todos os jornais e livros em que pegamos são feitos a partir dos corações das árvores que morreram pelas nossas vidas imaginadas. Aquilo que tem agora nas mãos, por debaixo destas palavras, é ar e tempo e luz solar consagrados, e, antes de tudo, um lugar. Quer estejamos a deixá-lo ou a chegar a ele, é o aqui que importa, é o lugar. Quer compreendamos ou não onde estamos, é essa a história: Estar aqui ou não estar. O hábito de contar histórias é tão antigo como a nossa necessidade de nos lembrarmos de onde está a água, onde crescem os melhores alimentos, onde encontramos a nossa coragem para a caça. É tão persistente como o nosso desejo de ensinar aos nossos filhos como viver neste lugar que conhecemos há mais tempo do que eles. As nossas maiores e mais pequenas explicações para nós mesmos crescem de um lugar, tão certamente como as cenouras crescem no pó. Estou a presumir isto para vos dizer algo que não pude provar de forma racional mas sim sentir como uma fé religiosa. Não posso acreditar de outra maneira.
Oh, como é que eu posso dizer isto: as pessoas precisam de lugares selvagens. Independentemente de pensarmos que precisamos ou não, nós precisamos. Precisamos de ser capazes de saborear a graça e saber mais uma vez que a desejamos. Precisamos de passar por uma paisagem que seja intemporal, cujo calendário se mova ao passo da evolução das espécies e dos glaciares. De estar rodeados por uma confusão de cantos, acasalamentos e uivos de outras espécies, todas elas amando as suas vidas como nós amamos as nossas e nenhuma delas dando a mínima importância ao nosso estatuto económico ou ao nosso calendário apertado. A vida selvagem coloca-nos no nosso lugar. Recorda-nos que os nossos planos são pequenos e algo absurdos. Recorda-nos a razão pela qual, naqueles casos em que os nossos planos podem influenciar muitas gerações futuras, devemos fazer uma escolha cuidadosa. Olhando para uma tábua lisa do planeta Terra, podemos ser abanados até ao âmago pela possibilidade de olhos de bronze de vidas que não são as nossas." - Barbara Kingsolver

segunda-feira, 12 de setembro de 2016




"Cada pessoa deve mergulhar em si mesma para saber o que quer mesmo fazer, e também - muito importante - o que pode fazer. Diante dos nossos olhos estão todas as coisas que o ser humano pode realizar e alcançar, mas isso não significa que estejam todas ao nosso alcance. De modo que, por não aceitarmos esta realidade e por forçarmos a nossa personalidade além dos seus limites, pode nascer a inveja - origem de tanta infelicidade - pela situação ou pelas circunstâncias laborais de outros, sem nos darmos conta de que para essas pessoas podem ser apropriadas, mas que talvez não o sejam para nós, dado que o nosso carácter ou as nossas capacidades não se adaptam a essa situação que nos provocou inveja. 
Ao fim ao cabo, nada é mais invejável do que a alegria, do que a felicidade, do que o sentirmo-nos bem connosco mesmos; contudo, dificilmente podemos almejar qualquer uma destas coisas se formos corroídos pela inveja, se não evitarmos comparações sem sentido com essas pessoas que supomos - talvez até erradamente - que são mais felizes no seu trabalho do que nós. 
Alguém disse uma vez - e penso que com muita razão - algo parecido com «o ar da corte não é respirável para qualquer um». Só a experiência nos pode ensinar de que somos mesmo capazes e também quais os ares que não são bons para os nossos pulmões. Este tipo de experiência contribuirá muito para a nossa felicidade, uma vez que, conhecendo as nossas possibilidades reais, poderemos desfrutar do prazer de vê-las em acção. 
Se nos deixamos levar pelas ondas e remoinhos que nos envolvem, por aquilo a que tantas vezes se chama sociedade de consumo, corremos o perigo de deixar de dar valor ao ser, para passar a dar apenas ao ter. E o último passo é ainda mais curto e perigoso: o que vai do ter ao aparentar.
Pelo facto de sermos pessoas, todos nós já temos um valor excepcional, sem termos a necessidade de que qualquer bem material ou reconhecimento social ou laboral nos confirme isso.
Contudo, todos nós nos esquecemos disto nalgumas ocasiões.
E penso que, para nosso bem - pela nossa felicidade -, não deveríamos fazê-lo." - Clemente García Novella 

domingo, 11 de setembro de 2016




"Nós não somos donos do mundo, como se vê. Hospedeiras e banqueiros, mães e filhos foram arrancados de nós como prova e milhares de famílias têm agora de passar vidas inteiras a recompor-se depois de perdas arrasantes. Nós, os que restámos, areámos as nossas bandeiras em sofrimento por eles. Acredito que podíamos fazer o mesmo pelas 35 600 crianças do mundo que também morreram a 11 de Setembro de fome e alargar os nossos corações aos pais e mães que as perderam. 
Esta parece ser uma ocasião razoável para procurar nas nossas almas um cantinho onde resida a humildade. A nossa nação comporta-se de algumas formas que trazem alegria ao mundo e de outras que enraivecem as pessoas. Nem todas essas pessoas são suficientemente cruéis para nos matarem por isso, ou suficientemente fanáticas para morrerem durante a tentativa, mas algumas sê-lo-ão inevitavelmente - cada vez mais, à medida que o desespero se espalha. As guerras de retaliação infindável não matam apenas pessoas mas também os sistemas que produzem comida, proporcionam água limpa e curam os doentes; elas destroem a beleza, extinguem espécies, aumentam o desespero.
Gostava que o nosso hino nacional não fosse aquele sobre bombas a explodir no ar, mas sobre grandiosidades de montanhas púrpuras e ondas de trigo cor de âmbar. É mais fácil de cantar e mais próximo do coração daquilo que temos realmente para cantar. Uma terra tão vasta e verde como a nossa exige de nós uma acção de graças e uma certa abertura de espírito. Convida-nos a investir os nossos corações de forma mais profunda em grandiosidades invulneráveis que nunca podem ser derrubadas num ataque de raiva. Se pudermos concordar em alguma coisa em tempos difíceis, terá de ser no facto de termos os recursos para nos comportarmos de forma mais generosa do que fazemos, e de sermos suficientemente fortes para nos erguermos das cinzas da perda como cidadãos do mundo melhores do que alguma vez fomos. Herdámos a graça do Grand Canyon, o mistério dos Everglades, a fertilidade de uma planície do Iowa - podíamos coroar este bem com um sentido de irmandade. Que herança enorme para os nossos filhos seria essa, se nos tornássemos uma nação humilde perante o nosso rico património, cuja graciosidade nos torna amados." - Barbara Kingsolver

sábado, 10 de setembro de 2016




"Em que consiste um vício? Acima de tudo, em perder o controlo. Perder o controlo não significa apenas um abuso de uma substância ou de uma actividade, mas, infelizmente, perdê-lo no geral.
Um vício consiste em deixarmos de ter controlo sobre nós.
Um viciado - uma vez perdida a perspectiva sobre as coisas - dir-nos-á que é livre para continuar a beber, a fumar, a injectar-se ou a jogar. Que o faz porque quer e no exercício da sua liberdade pessoal. Não é verdade. Não se pode dizer que uma pessoa seja livre se não é dona de si. Os vícios escravizam. A certa altura, quem se afunda no poço de um vício sente-se impotente para parar os danos de todo o tipo que está a causar a si próprio, mas também àqueles que lhe estão mais próximos, àqueles a quem, precisamente, menos mal queria fazer.
Apesar da palavra vício soar a um fenómeno recente, nada está mais longe da verdade. As substância viciantes sempre existiram." - Clemente García Novella

sexta-feira, 9 de setembro de 2016




"O mais perto que o meu coração esteve perto de rebentar nos últimos tempos foi no dia em que a minha filha mais nova chegou a casa vinda da escola e correu para mim, com o rosto tenso de expectativa, a perguntar: «Ainda há aquela guerra no Afeganistão?»
Como se o mundo fosse um lugar em que, numa tarde, enquanto os alunos do jardim de infância se esforçavam para dominar a letra L, ele decidisse depor as suas armas. Tentei manter as lágrimas afastadas dos meus olhos. Disse-lhe que tinha pena, mas sim, ainda estavam em guerra.
Ela disse: «Se as pessoas só vão continuar a fazer isso, quem me dera nunca ter nascido.»
Sentei-me no chão e dei-lhe um abraço apertado, para impedir que o meu próprio espírito se esvaísse pelas solas dos meus pés. Não sei o que as outras mães dizem nestes momentos; suponho que algumas prometam que só os maus é que estão a ficar feridos. Quem me dera acreditar eu própria nessa história. Mas as minhas filhas nunca foram pessoas a quem pudesse mentir. A minha melhor vingança contra toda a desonestidade e ódio no mundo, parece-me a mim, vai ser criar pelo meio deles estas crianças honestas e amorosas.
Eu perguntei-lhe: «Estás mesmo a falar a sério? Gostavas de nunca ter conhecido o papá, ou a mim, ou à tua irmã? De nunca teres tido a oportunidade de nos abraçares, ou de nós te lermos livros, ou de te aconchegarmos a roupa à noite? De nunca teres tomado conta das tuas galinhas e de apanhares os seus ovos, de nunca teres visto um arco-íris?»
Claro que ela disse, suficientemente cedo, que estava contente por estar viva. E tenho a certeza de que isso é verdade, quando a vejo atirar-se de corpo e alma para uma vida praticamente sem fardos. Mas compreendi naquele dia que estamos todos no mesmo barco. É a mesma luta para cada um de nós, e a mesma saída: o totalmente simples, infinitamente sensato, derradeiramente desafiante acto de amar uma coisa e depois a outra, amando o nosso caminho de volta à vida.
Antigamente, em muitos dias, podia fechar os olhos e sentir-me perfeitamente feliz. Ultimamente, tenho-me perguntado se esse sentimento alguma vez voltará. É uma coisa em que vale a pena pensar, mas talvez o ser-se perfeitamente feliz não seja realmente a questão. Talvez seja apenas um sonho moderno americano da questão, enquanto a medida mais verdadeira da humanidade é a distância que temos de percorrer nas nossas vidas, vezes sem conta, «entre dois extremos de paixão - alegria e sofrimento», como disse Shakespeare. Por muito que tenha perdido, o que me resta é o facto de ainda poder falar para nomear as coisas que amo. E posso procurar segurança ao oferecer-me para as coisas menos perdíveis do mundo.
Apaixonei-me pela liberdade apesar de tudo, e pelo direito de uma mulher dar um passo em frente, equipada com botas justas e opiniões que podem interessar. Os tesouros que trago mais perto do coração são coisas que não podem ser minhas: a curva da testa de uma criança de cinco anos de perfil e a expectativa vulnerável na mão que alcança a minha quando atravessamos a rua. O canto de alvorada dos pássaros numa floresta. A intensidade da luz quinze minutos antes do fim do dia; a lavagem de cor de um pôr-do-sol nas montanhas; a esfera madura daquele mesmo sol baixo num céu poeirento numa fotografia impressionante do Afeganistão.
Nos meus momentos mais difíceis, tenho de caminhar, por vezes sozinha, nalgum lugar verde. Outras pessoas devem partilhar este ritual. Para alguns, suponho que deva ser o caminho através de um conjunto particular de ruas da cidade, uma arquitectura reconfortante; para mim, é a necessidade de olhar para a água em movimento até que a minha mente não descanse em nada. Então posso ir para casa. Poso limpar o arbusto de uma parte negligenciada do jardim, trabalhando devagar até perceber que existe um pequeno lugar que posso tornar certo para a minha família. Posso plantar alguma coisa como um acto de fé no próprio tempo, um voto de que iremos ter, de certeza absoluta, um Outono e um Inverno este ano, que será seguido novamente pela Primavera. Isto não é um fim em si mesmo, mas sim um princípio. Trabalho até que a minha mente possa ultrapassar o seu limite, puxando este polo central da minha tristeza, esquecendo-o por um minuto ou dois enquanto pondero uma reunião na escola na semana seguinte, o projecto de conservação da linha divisória das águas empreendido pela nossa vizinhança, o mercado agrícola que organizou no ano passado: o bem que se torna possível quando um pequeno grupo de cidadãos conscienciosos se dedica a ele. E, de facto, como disse Margaret Mead, essa é a única coisa que realmente resulta sempre em mudança. Pequena mudança, pequenos milagres - estes são as unidades monetárias da minha persistência e, em última instância, da minha vida. É uma economia fiável.
As urgências políticas vão e vêm, mas é uma vocação suficientemente justa acender um fósforo depois do outro contra o escuro isolamento, quando a arrogância espectacular governa e tenta impor a esperança no esconderijo. Parece-me a mim que ainda há tanto a dizer que era melhor eu dar um grito através da vedação. Tenho histórias de coisas em que acredito: um rio persistente, uma floresta ao cair da noite, a religião dentro de uma semente, o espanto de bater de asas quando uma centelha de vida vermelha vinda da escuridão voa contra toda a razão. Uma criança, uma ursa. Eu gostaria de falar de pequenas maravilhas e da possibilidade de ganhar coragem." - Barbara Kingsolver 

quinta-feira, 8 de setembro de 2016




"Num mundo como o actual, em que, felizmente, para satisfazer tantas necessidades e para solucionar tantos problemas, basta carregar num par de teclas, custa-nos compreender como, para outras coisas, ainda são precisos os «velhos métodos» que levam algum tempo e se baseiam na capacidade de raciocinar.
Penso que, hoje em dia, a maioria de nós, sem necessidade de grandes conhecimentos médicos, tem a consciência de que uma alimentação que provoca a obesidade é uma alimentação que provoca doenças. Mas então... porque nos atrai tanto aquilo que precisamente menos nos convém?
Valentín Fuster explica-o, na minha opinião, de forma magnífica: «Um dos preços que estamos a pagar pelo progresso é que herdámos dos nossos antepassados um corpo bem adaptado para a escassez de alimentos mas [...] mal adaptado para a opulência [...] E devemos fazer um esforço consciente para limitar o que comemos porque os nossos instintos, que vêm dos caçadores recolectores que há milhares de anos passavam fome, fazem com que comamos mais do que aquilo que precisamos, e alimentos diferentes daqueles que nos convêm [...] Esta incapacidade de pararmos para pensar naquilo que nos faz falta, naquilo que o nosso corpo precisa, em lugar de dar rédea solta aos nossos instintos, está a fazer com que tenhamos taxas de obesidade sem precedentes [...].»
Inclua na sua dieta uma maior proporção de vegetais, leguminosas, cereais integrais, arroz, legumes, fruta, peixe e carnes brancas.
Faça estas duas coisas tão simples e sentir-se-á muito melhor em muitos aspectos. Com mais vitalidade. Menos obeso. Muito mais feliz consigo mesmo. Muito mais tranquilo, também. (E estar tranquilo é, em si mesmo, um dos maiores prazeres da vida; é tão agradável como comer).
Parece simples. Parece simples porque é realmente simples. Experimente. Experimente e continue a fazê-lo para o resto da vida, vencendo os seus velhos hábitos. Sim, já sei que é uma opinião muito generalizada que não é fácil mudar de hábitos. Mas é para isso que serve o senso comum: para que nos apercebamos de que a melhor maneira de eliminar determinados hábitos que nos são prejudiciais, que nos tornam obesos e nos trazem problemas de saúde, é substituí-los por hábitos novos e melhores.
Ora, para que os novos costumes se transformem em hábitos adquiridos, é apenas preciso um pouco de paciência e dar tempo ao tempo." - Clemente García Novella  

quarta-feira, 7 de setembro de 2016




"Todos nós podemos bem sentirmo-nos perplexos, ao acordarmos esta manhã para encontrarmos a maior parte dos nossos caminhos e meios investidos nos muros que as nossas nações construíram entre nós e aqueles que desejamos manter afastados. Ao longo da nossa História moderna, demos passos para a construção de fronteiras defensivas com poucas dúvidas na mente, desde as pedras aos tijolos e à argamassa, até às carabinas e ao arame farpado, aos mísseis e tanques e à explosão contida num átomo. E agora, aqui estamos nós, dedicados aos esforços de vigilância, conserto e terror. 
As fronteiras desmoronam-se; não se aguentam sozinhas; temos de escorá-las constantemente. São fortificadas e patrulhadas por homens armados, estas vedações que separam um grupo de elegantes comensais para um lado e as crianças para o outro, cujas pernas magras se curvam como fúrculas, cujos enormes olhos espreitam pelo arame farpado para tanta comida - não há nenhum muro suficientemente alto que compense esta vizinhança. Porque isto, é claro, é o que as vedações dividem. Provavelmente, começámos com noções mais teóricas de pureza étnica - o desejo de manter as maçãs afastadas dos nossos pinheiros - e, durante a maior parte do século passado, racionalizámos os nossos muros em termos de ideologia, mas a Cortina de Ferro está agora dramaticamente caída. Agora moldámos as fronteiras desmoronantes da Guerra Fria numa forma de divisão totalmente nova, em especial entre ricos e pobres. Esse abismo continua a crescer; um quarto dos pobres do mundo são agora mais pobres do que eram há quinze anos, tendo lutado apenas para perder terreno. 
A rígida fronteira entre o ter e o não ter é ainda defendida com armamento, mas agora é também atravessada por um mundo dançante e ilusório de desejos materiais. A passar por todos os muros estão feixes electrónicos que criam uma peça fantasma de desejo encenada pelos titereiros do comércio globalizado, que financiam a sua publicidade em cada ano com mais de cem dólares gastos com cada homem, mulher e criança, deste planeta. «Este mundo de desigualdade é também um mundo de solidão», escreve Eduardo Galeano, no qual multidões de desesperados são levadas a «confundir o ser com o ter». E condenadas por não ter.
Eu sei, já alguém disse isto antes. As pessoas disseram-no há mil anos, e têm-no dito quase em cada minuto desde então. Os pais da minha geração disseram-no durante a crise dos mísseis de Cuba, e os pais deles disseram-no depois de Pearl Harbor. As mães disseram-no quando viram os seus filhos partirem para lutarem na Guerra Civil, e disseram-no cem anos depois, quando as crianças de pele escura tiveram de ser escoltadas por guardas armados pelas portas de uma escola só de brancos. O dia em que Martin Luther King Jr. foi assassinado, ou Gandhi, ou Jesus, ou Monsenhor Óscar Romero, ou o dia em que os monges budistas se imolaram no Vietname enquanto o mundo estupefacto observava - todos eles foram o pior que podia ter acontecido. Os eruditos da História gostam de ir buscar declarações de consternação de tempos imemoriais para nos provarem que não há nada de novo debaixo do sol: o lobo esteve sempre à porta e as pessoas tenderam sempre a destruir-se umas às outras, exactamente como acontece agora.
Os historiadores estão certos, não é novidade este sentimento de desespero em relação a um mundo enlouquecido por desejos cruéis e punitivos. Não é novidade que ambos os lados se atirem para a presunção fundamentalista de serem eles contra os maus. Nem sequer é novidade que o mundo possa desmoronar-se e tornar-se permanentemente inabitável numa questão de minutos - a crise dos mísseis de Cuba era acerca disso. O que é novidade é que agora sabemos tantas coisas sobre o mundo, ou, pelo menos, sobre a parte dele que está a explodir de forma mais pitoresca num dado dia, que ficamos com uma sensação desesperada de todo ele estar a explodir, a toda a hora. Pelo que eu posso dizer, é essa a intenção e o propósito das notícias na televisão. Vemos tanta coisa, compreendemos tão pouca, e, ao mesmo tempo, é-nos dita tanta coisa sobre O Que Pensamos, como uma população sondada minuto a minuto, que ouvirmos os nossos corações começa a parecer um esforço irrelevante.
Eu tento com todas as minhas forças ignorar tudo isto, não acreditar em sondagens nem permitir que a TV vocifere perto da minha cara. Há momentos em que tenho de parar de receber mais notícias, para que possa considerar o que já reuni até então e prestar atenção à minha própria comunidade, uma vez que é o único sítio em que posso juntar um grupo  de pessoas para lidar com os nossos próprios desastres do dia. Por vezes, tenho de fazer um simples e sincero esforço para fazer apenas isso, para me sentir menos como uma protecção de porta a bater durante um furacão.
E isso é que é realmente novidade desde tempos imemoriais: a sensação de que os problemas são tão vastos que perdemos qualquer esperança de alterar o rumo das coisas. Durante eras anteriores de desgraça conspícua - a Peste Negra, por exemplo -, as pessoas sentiram certamente que o mundo estava a acabar, mas o fim que elas provavelmente imaginaram era mais pequeno em termos de escala, consistindo nelas próprias, nos seus vizinhos, em Deus. Não podiam imaginar um naufrágio tão terrível como o fim da raça humana num planeta tornado esquálido pela própria mão do Homem; duvido que já tenham percebido a magnificência da nossa história, ou a infinidade da nossa estupidez.
O sentimento que mais me aterroriza não é o medo mas sim o desespero - a sensação indistinta e opressiva de quanto mais as coisas mudam, mais se mantêm na mesma; que cada um de nós com um coração congelado «como um selvagem armado com uma pedra antiga» vai continuar a mover-se na escuridão, a levantar pedregulhos, a patrulhar os firmamentos da raiva divisória. Eu não entro suavemente nessa noite em particular; enraiveço-me e enfureço-me contra a morte de toda a esperança. Admito que exista uma maldade crescente neste mundo, e que alguns corações estão já tão endurecidos que não há forma de serem apaziguados. Alguns muros crescem mais em cada ano, é verdade. 
Mas outros desmoronam-se. As pessoas que disseram que o céu iria cair e Deus iria chorar se os seus filhos e filhas tivessem de sentar-se na mesma sala de aula que as crianças de pela negra estavam erradas: o céu não caiu e se Deus chorou ou não é uma questão de opinião pessoal. A Terra mudou debaixo dos nossos pés, vezes sem conta, enquanto as pedras dos nossos paradigmas se estatelavam no pó." - Barbara Kingsolver

terça-feira, 6 de setembro de 2016




"Se fossem apenas os acontecimentos aquilo que nos altera, todos responderíamos da mesma maneira perante os mesmos acontecimentos. Contudo, cada pessoa responde de maneira diferente perante o mesmo acontecimento. Gostaria que começássemos a questionar a ideia tão difundida de que são as situações injustas, as pessoas difíceis, as frustrações e as dificuldades da vida que nos tiram o bem-estar. Sim, é óbvio que contribuem. Claro que sim. Mas somos sobretudo nós próprios que criamos aquilo que sentimos. Alguns seres humanos, com certeza devido a causas genéticas, experimentam maiores desequilíbrios, instabilidade, vaivéns emocionais ou flutuações de humor, do que os que experimentariam outros submetidos às mesmas circunstâncias externas de pressão. Muito bem, mas embora a explicação possa ser de ordem genética, isto não quer dizer que não possamos fazer nada para remediar a situação. De todo. Uma vez que tenhamos compreendido que importa muito menos o que nos acontece na vida do que a maneira como sofremos com isso na nossa cabeça (isto também é válido para aquilo que é bom: importa muito menos o que nos acontece do que a maneira como o disfrutamos), podemos trabalhar sobre os nossos pensamentos, sobre as nossas interpretações tendenciosas daquilo que nos rodeia, para eliminar aquilo que não nos convém.
O passo crucial para sermos mais felizes será aceitar essa própria responsabilidade sobre o nosso nível de felicidade." - Clemente García Novella 

segunda-feira, 5 de setembro de 2016




"É possível afastarmo-nos de uma dor enorme e insuportável se a examinarmos cada vez mais a fundo - se «mergulharmos no naufrágio». Podemos olhar para todas as partes de uma coisa terrível até percebermos que são conjuntos de partes mais pequenas, sendo que a todas podemos dar um nome e algumas podemos curar ou alterar, até que o terror que parecia insuportável se torna tolerável. Suponho que o que estou a descrever seja o processo do sofrimento." - Barbara Kingsolver

domingo, 4 de setembro de 2016




"Às vezes pensamos que já não há dragões, que já não resta um valoroso cavaleiro, uma princesa deslizando por florestas misteriosas, encantando veados e borboletas com o seu sorriso. Às vezes, pensamos que a nossa época enterrou as fronteiras e as aventuras. O destino é para além do horizonte; sombras reluzentes que passaram a correr há muito tempo e desapareceram. Que prazer enganarmo-nos! Princesas, cavaleiros, encantamentos e dragões, mistério e aventura... não só existem aqui e agora como são as únicas coisas que sempre existiram na terra! No nosso século, mudaram, claro, de roupa. Os dragões usam hoje fatos governamentais e trajos de malogro e equipamento de tragédia. Os demónios da sociedade guincham, caem rodopiantes sobre nós mal tiramos os olhos do chão se nos atrevemos a virar à direita numa esquina em que nos disseram para virar à esquerda. Tão astuciosos se tornaram os aspectos exteriores que as princesas e os cavaleiros podem não dar uns pelos outros, podem mesmo nem se reconhecer a eles próprios.
Todavia, os senhores da realidade continuam a entrar-nos nos sonhos para nos dizer que nunca perdemos a protecção de que necessitamos contra os dragões, esses arcos voltaicos azuis que nos ligam uns aos outros para mudarmos o mundo à nossa vontade. O que a intuição sussurra é verdade: não somos pó, somos magia!" - Richard Bach

sábado, 3 de setembro de 2016








"Quando se entra pelos portões a atmosfera transforma-se. Os autocarros de turistas rondam pelas ruas, mas têm de se movimentar ao ritmo de uma multidão na sua maioria africana. O edifício mais alto não é um hotel internacional, mas o elegante e decorativo minarete da mesquita Koutoubia, que se ergue a uma majestosa altura de setenta metros, e que presenciou o tempo a passar sobre Djemaa el-Fna durante mais de oitocentos anos. Conta-se uma história, sem nenhuma prova tangível, segundo a qual, como o minarete tinha vista directa para um harém, só muezzins cegos lá podiam subir. 
Djemaa el-Fna não é um espaço bonito. É um rectângulo alongado, rodeado por um aglomerado de edifícios banais e filas de táxis estacionados. O seu nome traduz-se por «Assembleia dos Mortos», que se crê ser uma referência à prática de executar aqui os criminosos.
É desconcertante. Há aqui tanto barulho que, tanto quanto sei, ainda podiam estar a executar criminosos. O rebuliço parece não ter nenhum ponto focal, nenhum centro físico. Numa das extremidades, onde há uns portões que dão para o souk, vêem-se turistas a tomar chá nas varandas dos cafés, olhando a actividade de uma distância segura. Os habitantes da terra preferem as tendas de comida, que formam um círculo no centro de Djemaa, lembrando os carros dos pioneiros americanos quando esperavam um ataque dos índios. Estão bem iluminados, e as pessoas que servem a comida têm batas brancas limpas e chapéus a condizer. Esta concessão à higiene do Primeiro Mundo é enganadora. O resto de Djemaa el-Fna é um reino totalmente fora do alcance das roupas de protecção. 
O Djemaa el-Fna é em parte feira, em parte teatro, em parte jardim zoológico, tudo sublinhado com um laivo de misticismo e de ritual primitivo." - Michael Palin

sexta-feira, 2 de setembro de 2016




SAHARA

"Simboliza vastidão e mistério, a ténue linha entre a sobrevivência e a destruição, o poder de tirar a vida ou de a transformar. Um mundo autónomo, homogéneo, identificável, um mundo intransigente e irredutível.
Por outras palavras, um desafio. E um desafio de modo algum fácil." - Michael Palin

quinta-feira, 1 de setembro de 2016




"Falamos em ler e pensamos apenas nos livros, nos textos escritos. 
O senso comum diz que lemos apenas palavras. 
Mas a ideia de leitura aplica-se a um vasto universo.


Nós lemos emoções nos rostos, lemos os sinais climáticos nas nuvens, lemos o chão, lemos o Mundo, lemos a Vida. Tudo pode ser página. Depende apenas da intenção de descoberta do nosso olhar. Queixamo-nos de que as pessoas não lêem livros. Mas o deficit de leitura é muito mais geral. Não sabemos ler o mundo, não lemos os outros.

Vale a pena ler livros ou ler a Vida quando o acto de ler nos converte num sujeito de uma narrativa, isto é, quando nos tornamos personagens. Mais do que saber ler, será que sabemos, ainda hoje, contar histórias? Ou sabemos simplesmente escutar histórias onde nos parece reinar apenas silêncio?" - Mia Couto